Filosofia não é mais o assunto preferido apenas de sisudos intelectuais na idade da razão. A começar pelos adolescentes, que em cinco anos transformaram O mundo de Sofia – do norueguês Jostein Gaarder, num best seller de 580 mil exemplares vendidos no Brasil –, o interesse pelo gênero se renovou entre o público em geral. Além de sites especializados como Consciência Home Page (www. consciencia.org), muitos livros acessíveis têm pipocado nas prateleiras. Encabeçam a lista títulos divertidos, entre eles Como Proust pode mudar sua vida (Rocco, 193 págs., R$ 22), do badalado Alain de Botton, ou bastante didáticos como os da coleção Em 90 minutos, da Jorge Zahar Editor, de Paul Strathern, que pretende iniciar o leitor no universo de pensadores do porte de Immanuel Kant, Baruch de Spinoza e Friedrich Nietzsche.

Ricardo Nascimento Fabrini, professor da Faculdade de Comunicação e Filosofia da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, comentou para ISTOÉ cinco dos vários títulos disponíveis nas livrarias (leia quadro à pág. 114). Fabrini adverte que não são poucas as pessoas que confundem a disciplina com auto-ajuda ou esoterismo. O paulistano Miguel Duclós, 22 anos, por exemplo, aluno da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) e criador da Consciência Home Page, passou por esta etapa. Interessado no assunto desde a infância, no início Duclós sentiu-se atraído pelo misticismo do escritor peruano Carlos Castañeda, paixão que o acabou levando aos bancos da universidade. Como estudava fazendo resumos e fichamentos, aproveitou o material para a criação dos textos introdutórios sobre a vida e obra dos filósofos mais conhecidos e depois os colocou no cyberespaço. Para não tornar sua página enfadonha, criou várias formas de interatividade, como votações, fóruns e outras bossas. Já recebeu mais de 100 mil acessos.

A internet pode ser uma boa porta para a filosofia, mas muitos adolescentes têm sido apresentados ao tema na própria sala de aula. Na Escola Sabin, localizada no Butantã, zona oeste de São Paulo, a matéria vem sendo ministrada em todas as classes. Marcelo Vilas Boas, 13 anos, um garoto de olhar vivo, boné de rapper e brinco, costuma criticar quem ainda pensa que meditar sobre o mundo à sua volta é coisa de gente avoada, que vive absorta e perdida em pensamentos. Para ele, as aulas da disciplina o ajudam a entender melhor a realidade. “Ninguém filosofa sozinho”, afirma. No que é secundado por Bruna Bazzon, 14 anos, aparelho nos dentes, fã de forró, que vê no exercício do pensar uma atividade imprescindível.

Regras básicas – Estes jovens “amantes da sabedoria” são alunos da professora Helena Milanezi, uma socióloga de formação, que adota três regras básicas nas suas aulas. Todos podem falar. Assuntos polêmicos devem ser sempre debatidos. E ninguém tem o direito de rir do que o outro está expondo. O método tem dado resultados. André R. Paulon, 13 anos, antes um garoto introvertido, adquiriu maior desenvoltura nas aulas e hoje adora discutir. Thaís de Oliveira Eduardo, fera no handball, e Natália Pires de Oliveira, craque em futebol, ambas com 13 anos, acreditam que as aulas de Filosofia as ajudaram até mesmo nas outras matérias.

Há 15 anos à frente dos ciclos de conferência do gênero, o filósofo e agitador cultural Adauto Novaes acredita haver um cansaço diante do discurso tecnicista. Daí a necessidade de as pessoas se voltarem para o lado mais humano, criando um ambiente favorável às indagações filosóficas. Para este empreendedor formado em Paris, organizador dos livros O sentido da paixão, O olhar e O desejo, entre outros, todos originados das famosas conferências, a política e a sociologia tradicionais revelam-se inadequadas para explicar o impacto da internet, da globalização e de outras transformações. Mas a Filosofia ainda está longe de ser livro de cabeceira. Muita gente ressente-se da falta de informações introdutórias, hoje só fornecidas em alguns currículos do ensino médio.

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Discussão de temas – Helena Milanezi, da Sabin, segue o método Lipman, a exemplo de um número cada vez maior de colégios espalhados pelo Brasil. Criado no final dos anos 60 pelo filósofo americano Matthew Lipman, o programa de Filosofia para crianças tem como objetivo desenvolver as habilidades cognitivas dos meninos através da discussão de temas filosóficos, desenvolvidos em textos bem simples. De certa forma, este é o mesmo recurso adotado pelo autor de O mundo de Sofia. O método chegou ao Brasil em 1985, trazido pela educadora Catherine Young Silva, fundadora do Yázigi e do Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças (CBFC).

Entidade sem fins lucrativos, o CBFC fornece treinamento de 40 horas para os professores e edita os livros usados exclusivamente nas escolas. A professora Helena é um dos oito mil mestres formados pelo centro, que já iniciou pelo menos 200 mil crianças no País. Ela acredita que o método educa para o pensar, promove a cidadania responsável e melhora a compreensão do mundo. Para a alegria das editoras, forma também novos leitores. Morou na filosofia? 

Na trilha de Platão

Na opinião do professor Ricardo Fabrini, os dois volumes de Primeira Filosofia (Brasiliense, 160 págs., R$ 15), organizado por Armando Mora de Oliveira, e Convite à Filosofia (Ática, 440 págs., R$ 36,90), de Marilena Chauí, já lançados, são uma boa introdução ao tema. Mas para quem quer novidades, a seguir ele comenta e alerta sobre os cinco principais lançamentos na mesma linha básica:

Coleção grandes filósofos (Editora Unesp, 160 págs. em média, R$ 7 o volume) – “São quatro caixas de seis volumes. A terceira traz Ayer, Russell, Collingwood, Demócrito, Derrida, Spinoza, com ensaios de autores conhecidos como Frederic Raphael, Bernard Williams, Michael Aeyrs, Kenneth McLeish, entre outros. Adequado para o público em geral. É a melhor indicação.”

Textos básicos de Filosofia (Jorge Zahar Editor, 188 págs., R$ 20), de Danilo Marcondes – “Passagens célebres, que podem ser encontradas na íntegra em outros livros e carecem de uma introdução que as situe.”

A escada dos fundos da Filosofia (Editora Angra, 336 págs., R$ 34), de Wilhelm Weischedel – “Apesar de bem escrito, não passa de um anedotário biográfico, sem contextualização. Bem que poderíamos entrar pela porta da frente.”

Filosofia para jovens (Callis Editora, 64 págs., R$ 26,30), de Jeremy Weate – “Caricata, traz informações descosidas que procuram imitar a linguagem dos videoclipes.”

Filosofia para dummies (Editora Campus, 352 págs., R$ 49), de Tom Morris – “Vendido como prático, eficiente e inovador, não passa de um sedutor produto de marketing que mistura metafísica e teologia, esquecendo que a Filosofia nasce do estranhamento.”

 


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