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    Livro questiona promessas da economia compartilhada

    FILIPE OLIVEIRA
    DE SÃO PAULO

    05/03/2016 02h00

    Moacyr Lopes Júnior/Folhapress
    Taxistas bloqueiam o viaduto do Chá, na região central de SP, em protesto contra proposta de regulamentar o Uber na capital paulista
    Taxistas bloqueiam o viaduto do Chá, na região central de SP, em protesto contra proposta de regulamentar o Uber na capital paulista

    O acesso a bens e serviços será mais importante do que a posse, ensina a cartilha dos adeptos da economia compartilhada, movimento que pretende transformar o consumo a partir do uso eficiente do que é produzido a partir da tecnologia.

    Ou seja, em vez de ter um carro, melhor usar o Uber para achar um quando quiser; em vez de comprar uma casa na praia, melhor alugar quartos ociosos nas de outras pessoas pelo Airbnb.

    O jornalista Steven Hill, radicado em San Francisco (EUA), de onde vem essa revolução, vê outro cenário: as pessoas colaboram com seu patrimônio e trabalho, e corporações e investidores ficam com bilhões de dólares.

    A crítica é apresentada em seu livro "Raw Deal" (Injustiça). Na obra, Hill se dedica a atacar a promessa de um futuro glorioso em que cada pessoa se tornaria um microempreendedor, trabalhando com o que quisesse na hora em que bem entendesse.

    Para ele, o crescimento de dezenas de serviços nos quais pessoas se colocam à disposição, sem garantia de obter clientes, se submetendo as regras dos donos das plataformas tecnológicas e sem acesso a uma rede de proteção social, é o ápice de processo de precarização do trabalho em curso há décadas.

    O movimento, afirma Hill, é marcado pelo aumento da contratação de temporários, freelancers e terceirizados pelas empresas norte-americanas, com o objetivo de diminuir em até 30% custos com sua folha de pagamento.

    A situação se agravou após a crise de 2008, quando muitos perderam seus empregos. Ali começaram a ganhar força plataformas que conectam quem está disposto a fazer algum bico com clientes –por migalhas, diz o autor.

    Há capítulos específicos para críticas ao Airbnb, ao Uber, a sites para contratar freelances e até ao Silk Road, plataforma do mercado negro que permitia coisas como compra de drogas e contratação de matadores de aluguel.

    Para o autor, causa espanto que o discurso "meio hippie, meio tecnológico" dessas empresas atraia admiradores da esquerda e da direita e permita a elas se colocar acima do bem e do mal e fazer o que bem entendem.

    ATAQUES

    A análise mais contundente da obra está no capítulo dedicado ao Airbnb.

    Observando dados sigilosos da companhia em San Francisco, por exemplo, o autor aponta que dois terços dos anúncios não foram feitos por um "anfitrião modelo" da empresa, que aluga um pedaço da casa em que mora para ter uma renda complementar e "participar de uma comunidade".

    Na verdade, o grosso dos anúncios é feito por proprietários que usam a plataforma para transformar casas inteiras em hotéis irregulares. E, muitas vezes, despejam inquilinos antigos para abrir espaço para turistas, afirma.

    Quando escreve sobre o Uber, porém, Hill não surpreende (o que é parcialmente explicado pelo grande número de polêmicas envolvendo a empresa cobertas pela imprensa mundo afora).

    O autor trata da desconsideração da companhia pelas regras de cada cidade (sob o argumento de ser um serviço tecnológico, não de transporte), das reduções de tarifas arbitrárias prejudicando motoristas e da prática da companhia de elevar preços quando a demanda aumenta, mesmo que a procura seja causada por um furacão ou por um ataque terrorista.

    O autor também analisa tendências futuras, como a inteligência artificial e a robotização, que considera capazes de destruir mais empregos e jogar mais profissionais na "economia dos bicos".

    A obra traz citações a inúmeros livros e reportagens e a entrevistas feitas pelo autor. Infelizmente o jornalista não ouviu nenhum dos responsáveis pelas empresas criticadas. Sempre que um fundador delas é citado, é de modo caricato e para mostrar seu suposto lado maquiavélico.

    O papel central da economia compartilhada em um quadro abrangente de destruição do emprego proposta pelo autor parece exagerado.

    Outro incômodo está na retórica engajada do autor, que, apesar de tiradas divertidas (como chamar os futurólogos da economia compartilhada de "tecnosapiens"), é por vezes repetitiva.

    Hill também não dedica muita atenção a possíveis ganhos da flexibilidade para trabalhadores, clientes e empresas trazidos pelas novas ferramentas, que podem ser boas alternativas para períodos curtos de desemprego.

    Feitas essas ressalvas, a obra merece uma leitura por instigar uma visão menos ingênua em relação às promessas da tecnologia.

    *RaW Deal – How the "Uber Economy" and Runaway Capitalism Are Screwing American Workers *
    AUTOR Steven Hill
    EDITORA St. Martin's Press
    QUANTO* R$ 60,30 na amazon. com.br (e-book, 338 págs.)
    AVALIAÇÃO bom

    Edição impressa
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