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O PCC:crime S.A.

As facções criminosas do país sesofisticaram e viraram empresas que garantem o lucroà bala. Entender como funcionam - e como surgiram -pode ser a única forma de combatê-las

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h27 - Publicado em 31 Maio 2006, 22h00

Houve uma época em que os criminosos eram simpáticos. Com chapéu de lado e navalha no bolso, os malandros passeavam pelas ruas cometendo pequenas transgressões, aplicando golpes e tentando ganhar a vida do jeito que desse. Ao menos era assim que o mundo do crime era visto – e homenageado – em livros, músicas e filmes. Até ladrões de casas e de jóias poderiam se tornar celebridade (veja na página 50). Cerca de meio século depois, no mês passado, o retrato do crime era outro. O Primeiro Comando da Capital (PCC), uma facção criminosa nascida nas cadeias de São Paulo, aterrorizou a capital paulista a ponto de fechar lojas, parar o trânsito e, na prática, instituir um toque de recolher na cidade. Uma operação tão bem organizada que, nas piadas que circularam na capital nos dias seguintes, se dizia que, nas próximas eleições, o ideal seria não votar nem no PT nem no PSDB, mas sim no PCC, que costuma ter ações mais eficientes.

Não era a única quadrilha a demonstrar organização em suas ações no país – e nem os partidos políticos são a melhor metáfora para explicar o nosso crime organizado. Tanto as chamadas facções criminosas como as grandes quadrilhas especializadas nas diversas atividades fora-da-lei assemelham-se muito mais a grandes corporações do mundo empresarial. Elas não disputam poder com o Estado, embora demonstrar força faça parte da sua estratégia de posicionamento. Lidam com negócios que vão do tráfico de drogas à venda de ambulâncias superfaturadas. É praticamente impossível calcular quanto cada um desses setores do crime movimenta, mas estimativas apenas sobre o tráfico de drogas apontam que este movimenta cerca de US$ 1 trilhão no mundo por ano. Pelo Brasil, grande consumidor e ponto importante de várias rotas de transporte de entorpecentes, passaria uma boa parte disso.

Não houve um grande passo que levou o malandro romantizado do início do século 20 ao crime organizado e violento de hoje. Em pequenos passos e se aproveitando de várias das mudanças pelas quais o país passou ao longo desse tempo, os criminosos foram se tornando mais profissionais. E um dos primeiros motivos dessa mudança foi, à primeira vista, bem inocente: o crescimento das cidades.

Ladrões de rua

Nos anos 70, o crescimento econômico levou muitas pessoas a sair do campo em direção às cidades. Em 1970, 56% da população brasileira vivia em regiões urbanas. Dez anos depois, esse índice passou para 67,6% e, em 1996, já era de quase 80%. Só que, ainda nos anos 80, a situação havia mudado para essas famílias de migrantes: a economia havia enfraquecido e, evidentemente, não oferecia muitas oportunidades de trabalho ou moradia. “O problema não era só pobreza, mas também a urbanização precária, a desigualdade e a falta de chance de ascender socialmente. São questões muito mais complexas que a pobreza”, diz José Marcelo Zacchi, coordenador institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma união de ongs relacionadas a segurança.

Para muitos, ingressar na economia ilegal se tornou uma alternativa atraente. Espaços não faltavam: periferias e favelas, os terrenos que mais cresceram com a chegada de novos moradores à cidade, estavam pouco atendidos pela polícia e pelos serviços governamentais. Eram, enfim, lugares propícios para atividades criminosas. “São zonas de marginalidade, que tendem a se auto-regular sem a presença do Estado”, afirma José Marcelo. Até esse momento, o crime ainda mantinha um pouco daquela aura da malandragem, de saber se virar pela cidade. O que mudaria tudo, e em pouco tempo, era o surgimento de novas oportunidades de negócios ilegais – e o volume de riqueza que passariam a movimentar.

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Até os anos 80, as estruturas criminosas limitavam-se ainda a quadrilhas de ação localizada. E ao jogo do bicho. Ele surgiu no Brasil no fim do século 19, em uma situação inusitada – o dono do antigo Jardim Zoológico de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, vendo-se diante da falência, estimulou a visitação trocando o ingresso por um papel com o nome de um dos 25 animais do parque; o animal sorteado pagava 20 vezes o preço do ingresso. Até ser proibido na década de 1890, era um jogo aristocrático, com os resultados dos sorteios publicados nos jornais. Desde então, mantém a popularidade entre as classes mais baixas graças, em parte, à facilidade na aposta, uma vez que se pode jogar qualquer quantia. Além disso, é até hoje considerado contravenção e não crime, o que ajuda os bicheiros a formar quadrilhas poderosas. Não à toa, muitos especialistas consideram que ainda hoje eles são o grupo mais representativo do crime organizado no Brasil. “O jogo do bicho contempla boa parte da definição desse termo: tem território definido, faz lavagem de dinheiro e tem forte penetração na máquina do Estado”, diz Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (Necvu), da UFRJ.

O grande divisor de águas, que tornaria o crime organizado muito mais complexo e violento, foi a entrada com força da cocaína no mercado nacional. A gestão diária do jogo não exigia uma estrutura muito complexa, mas as drogas sim. Para operar nesse novo mercado, era preciso montar quase uma indústria, com estratégias para criar e manter pontos- de-venda e sistema de transporte para garantir a oferta constante. “A logística da economia da droga exigiu mudanças estruturais na forma como os grupos atuavam”, diz a antropóloga Jacqueline Muniz, ex-diretora da Secretaria Nacional de Segurança Pública e professora da Universidade Cândido Mendes (Ucam), do Rio de Janeiro. Em especial, era preciso mais gente envolvida. E é com o tráfico que a imagem positiva do malandro – “aquela de saber se virar pela cidade” – é substituída pela do bandido feio e mau.

O aumento de complexidade da atividade criminosa significa, também, o crescimento da violência. Não é de espantar: a violência é uma das formas de administrar esse novo negócio. É preciso garantir segurança em todas as etapas de operação e, como diz Jacqueline, “se não há leis para garantir o funcionamento, existe a arma”. Daí a aceleração paralela de outro setor do crime, o tráfico de armas. Dados do Necvu mostram o paralelismo dos dois tráficos: em 91, foram feitas 1 866 apreensões de entorpecentes e de 3 958 armas na cidade do Rio de Janeiro. Em 2005, os números são 11 761 e 14 876. “Na verdade, esses grupos trabalham com uma relação de confiança e desconfiança mútuas entre seus membros. A linha tênue pode romper-se rapidamente”, diz Michel Misse. Mas, mesmo com mais violência, os traficantes continuavam a ter relações entre si e com as comunidades ao redor de forma bem parecida com a praticada pelos bicheiros.

De um modo geral, traficar drogas era um trabalho que exigia o emprego de uma mão-de-obra maior do que as atividades criminosas mais comuns até ali. Com muita gente no crime, aumentou também o número de prisões relacionadas ao tráfico. A população carcerária explodiu. E isso teve conseqüências graves no modo como o crime operava.

Onde nascem as gangues

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Da mesma forma que o crescimento da população nas cidades levou ao aumento da criminalidade, o crescimento da população nas cadeias levou à radicalização do crime. O berço das principais facções criminosas do Brasil são os presídios. Aqui, como em outros países, o melhor lugar para o crime se organizar ou aumentar seu poder é atrás das grades. “Há vários casos no mundo, inclusive de movimentos religiosos, como os islamitas americanos. É angustiante que isso apareça exatamente entre os bandidos que estão sob a tutela do Estado”, diz Norman Gall, do Instituto Fernand Braudel, uma ong de pesquisas econômicas e sociais.

A primeira a sair dos presídios brasileiros foi o Comando Vermelho (CV), ainda na década de 1970. Posteriormente, ela teria dado origem a todas as demais grandes facções cariocas (veja quadro na página 80). Acredita-se que seus primeiros líderes tenham convivido com grupos guerrilheiros de esquerda no presídio Cândido Mendes, em Ilha Grande, Rio de Janeiro, e se inspirado neles para criar sua organização (daí o “vermelho” no nome). A princípio, eram apenas quadrilhas de ladrões tentando criar uma unidade para facilitar seu trabalho. Com a chegada das drogas, tornou-se um grupo voltado para o tráfico. A primeira conseqüência foi exacerbar dois componentes que já existiam no bicho: o terror aplicado àqueles que se voltassem contra a facção e o assistencialismo à comunidade. Houve até uma época em que o Comando Vermelho especializou-se em uma tática Robin Hood: assaltar caminhões com mercadorias e distribuir para os moradores das favelas.

Se as prisões são o berço de tantas organizações criminosas, isso não é por acaso. Em primeiro lugar, é um espaço em que os fora-da-lei mais experientes podem transmitir seus conhecimentos para os mais jovens – uma escola, por assim dizer. Em segundo, a situação das cadeias brasileiras sempre foi tão degradante que acabou exigindo dos presos alguma organização própria. “Na verdade, alguns grupos surgem como uma forma de os próprios presos se protegerem das mortes e dos estupros nas cadeias”, diz o cientista político Guaracy Minguardi, do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud). As várias tentativas dos presos ao longo da história de se organizarem e discutirem com as autoridades uma solução para o abandono e o desrespeito a que são submetidos também ajudaram a criar as facções. “Mas qualquer tentativa de se organizar era vista como dotada de propósitos ilegais, o que eliminava a possibilidade de diálogo”, diz Jacqueline. Nesse cenário, é fácil a ascensão de qualquer líder – por mais tirano que seja – com a mínima chance de organizá-los em torno de suas reivindicações. Não por acaso, e por mais que pareça irônico, o CV diz ser seu objetivo a luta pela liberdade, pela justiça e pela paz. E essas mesmas 3 palavras estavam pintadas no chão dos pátios dos presídios na primeira megarrebelião organizada pelo PCC, em 2001. “A reivindicação de melhorias nas cadeias é uma estratégia de cooptação de membros e de validação dessas organizações criminosas”, diz José Marcelo.

Rede do crime

Estava nascido o crime organizado no país. Favelas e periferias haviam fornecido o território; os presídios deram origem à organização, aos funcionários e a um motivo de existir; as drogas trouxeram dinheiro, muito dinheiro, tanto que acabou criando um efeito cascata que estimulou várias outras redes criminosas.

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À medida que aumentou o comércio ilegal de drogas, cresceram também crimes como roubo de carga, assalto a bancos, seqüestros, pirataria e contrabando. Não foi necessariamente por financiamento dos traficantes, ou por interesse deles em diversificar os negócios. Uma das formas como eles estimularam outras redes criminosas foi criando um mercado consumidor de produtos ilegais – afinal, traficar não é fácil e, como em qualquer empresa, envolve uma cadeia produtiva complicada. Daí o estímulo a redes de compra ilegal ou roubo de cargas químicas (para refino da coca, por exemplo), de tráfico de armas (para municiar os pontos-de-venda) ou de lavagem de dinheiro (para legalizar as fortunas ganhas com o tráfico). É sabido, por exemplo, que líderes do PCC e do CV trocam figurinhas, embora não se tenha definido exatamente para quê. “As facções formam cadeias de negócios”, diz José Marcelo. “São sócias ou parceiras, mas não precisam fundir uma ‘empresa’ com a outra.”

Outro motivo para a diversificação da criminalidade foi que, assim como os bicheiros abriram caminho para as redes de tráfico, essas criaram rotas de distribuição e contatos dentro da burocracia estatal que, depois, serviram também a outras quadrilhas. Um exemplo é o Cartel de Medellín, na Colômbia, que, sem abandonar o tráfico, usou a sua infra-estrutura para fornecer serviços a outras organizações. “Em um dado momento, ele se especializou no transporte de drogas. Abriu rotas, modelos de segurança, tornou-se um DHL do crime. Depois disso, essa estrutura serviu a todo tipo de tráfico, do contrabando ao comércio ilegal de biodiversidade”, diz Jacqueline.

A interligação dessas redes ganhou um bom aliado com a tecnologia. Assim como os líderes do PCC encontraram nos celulares uma forma de organizar a facção mesmo de dentro do presídio, várias ferramentas de comunicação auxiliam as redes criminosas a se expandirem.

Existe, entretanto, uma ferramenta que, para os criminosos, é mais importante do que todas as outras: a corrupção. Em maior ou menor grau, todas dependem de algum tipo de infiltração no aparelho do Estado para prosseguir com suas atividades. Alguns pesquisadores chegam a considerar que o nível de corrupção é o que diferencia cada organização. “Não dá para comparar o nível de organização do PCC com o da Operação Sanguessuga [de compra superfaturada de ambulâncias envolvendo deputados federais]. O PCC não tem adeptos de alto escalão”, diz Adriano de Oliveira, do Núcleo de Instituições Coercitivas da Universidade Federal de Pernambuco. Diferentemente das quadrilhas envolvendo altos funcionários, o PCC e outras organizações criminosas que não aquelas que surrupiam diretamente o erário público encontram brechas no governo com a mesma técnica que usam no controle interno da organização: a intimidação. Usando diferentes níveis de violência, eles podem conseguir favores no sistema policial, judicial ou penitenciário. “Um carcereiro pode ser corrompido por dinheiro ou ser intimidado por ameaças de um preso que sabe onde sua filha estuda e a que horas sai da escola”, diz José Marcelo.

E agora?

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Todos os especialistas concordam que o grande culpado pelo crescimento do crime organizado são os vazios deixados pelo Estado. A criminalidade prospera graças às brechas abertas pela corrupção e pela desproteção policial.

O ideal seria, com ações sociais, resolver os próprios fatores que deram origem às facções, como a superlotação nos presídios, a desigualdade e as áreas não atendidas pelo Estado. Essa é, no entanto, uma estratégia de longo prazo e que tampouco pode ser justificada apenas pelo combate à criminalidade.

De imediato… bom, de imediato, não há consenso sobre o que fazer. Os episódios registrados em São Paulo no último mês tendem a acirrar o debate sobre as soluções. Quase sempre, eles desembocam em cobranças sobre a Justiça para que seja “mais dura”, com penas maiores. Apesar de popular, é uma das poucas propostas em que os especialistas estão de acordo: ela não funciona. A frase parece batida, mas resume bem o espírito da idéia: não é o tamanho da pena, mas a certeza de sua aplicação que tem realmente algum efeito. Existem várias sugestões, cada uma mais ou menos viável (veja quadro acima). Difícil dizer qual delas é a mais promissora. Assim como fazem os criminosos, o ideal talvez seja atacar em em várias frentes. E rápido.

O comando do comando

Como se organiza oPCC, a maior facção criminosade São Paulo

O PCC é um dos mais organizados grupos criminosos brasileiros. Influenciado pelos integrantes do CV, o grupo era, no início, um time de futebol de detentos. Nos anos 90, fortaleceu-se principalmente dentro das cadeias e acabou criando uma estrutura maior e mais complexa que a dos grupos cariocas. Em São Paulo, domina 90% dos presídios e a maioria dos criminosos soltos.

Líder

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Desde 2002, o ex-trombadinha e ex-ladrão de bancos Marcola é o grande chefe da organização, considerado também o mais intelectualizado e pragmático. Diz ter lido mais de 3 mil livros. Da prisão, e sem falar ao celular, ele controla a organização, que conta com cerca de 140 mil filiados.

Pilotos

São aqueles que, dentro ou fora da cadeia, organizam os filiados para operações como as megarrebeliões e os ataques do mês passado. Alguns deles são os intermediários em negociações com autoridades.

Contadores

O PCC tinha um único contador até 2005, ano em que ele foi preso. Agora a administração dos R$ 700 mil arrecadados por mês passou para cerca de 6 contadores, que usam até registros em livros-caixas.

Advogados

A polícia estima que o grupo tenha cerca de 18 advogados trabalhando a seu favor. Eles também usam artifícios ilegais, como a compra da gravação dos depoimentos sigilosos da CPI do Tráfico de Armas.

Criminosos

O PCC ajuda seus filiados a realizar crimes como assaltos à mão armada e seqüestros. Também garante proteção aos vendedores das bocas-de-fumo, que pagam ao grupo uma porcentagem dos seus lucros.

Presos

A maior força do PCC, eles se unem ao grupo para ganhar prestígio e proteção contra estupros e espancamentos. A polícia reconhece que a ação deles diminuiu o índice desses delitos nas cadeias.

Comunidade

Além dos criminosos, a comunidade do PCC conta com simpatizantes, como cantores de funk que os homenageiam. O grupo também financia estudos para quem quer ser um advogado do crime organizado.

Bin Ladens

Pessoas em débito com o PCC acabam sendo manipuladas pelo grupo. Ameaçadas, são obrigadas a participar das ações coordenadas, como os ataques violentos do último mês em São Paulo.

Armas

São compradas principalmente de fornecedores no Brasil, no Suriname e no Paraguai. O arsenal do PCC pode ser usado em ações do grupo ou alugado para que outros criminosos levem adiante suas ações.

Rifas

Detentos, criminosos soltos e familiares participam de rifas que custam até R$ 7 o número. Os principais prêmios são carros populares, mas há outros, como eletrodomésticos. O resultado sai pela Loteria Federal.

Ação Social

Como os traficantes do Rio, o PCC mantém creches em favelas, paga enterros e ajuda os familiares dos detidos. Para quem tem parentes presos no interior de São Paulo, o grupo arca com os custos das visitas.

Contribuições

Como um sindicato, os filiados têm que pagar mensalidades para o PCC. Presos pagam R$ 50 e, para quem está fora, esse dízimo pode chegar a R$ 500 em cima do lucro de assaltos, furtos, seqüestros e tráfico.

Drogas

Apesar de contar com alguns pontos-de-venda, o PCC não é um grupo de traficantes. A principal ação é proteger as bocas-de-fumo da polícia e de outros boqueiros, em troca de contribuições mensais.

Políticos

Com pouca penetração no Estado, o PCC começa a articular possíveis candidatos para as próximas eleições, usando como moeda de troca os votos de seus milhares de filiados.

Cadeia internacional

O crime organizadobrasileiro vai além dasnossas fronteiras?

O traficante Fernandinho Beira-Mar, antes de ser preso em 2001, estava escondido na selva colombiana com a ajuda das Farc, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Não foi um episódio isolado: as Farc também tiveram um papel importante na formação das quadrilhas. Integrantes da guerrilha colombiana teriam vindo para o Brasil, por exemplo, para treinar os traficantes no uso do armamento pesado que eles compravam dos mesmos fornecedores. Foi mais um exemplo da relação entre o crime organizado brasileiro e o internacional. Na maioria dos casos, a parceria obedece às regras de mercado. “Eles se plugam e desplugam de acordo com as conveniências”, diz Walter Maierovitch, do Instituto Giovanni Falcone e ex-Secretário Nacional Anti-Drogas. Grupos brasileiros e estrangeiros, segundo ele, atuam em sinergia, num sistema de redes de cooperação. O tráfico de drogas, a estrutura mais internacionalizada, é um bom exemplo dessa cooperação. Os plantadores da Bolívia fornecem 80% da pasta de coca e da cocaína que entra no Brasil, mas precisam de insumos químicos como o permanganato de potássio. Esse é fornecido por brasileiros que o encontram facilmente na indústria nacional. Outra parte das drogas e armas que chegam ao Brasil vem do Suriname e do Paraguai. Mas o tráfico internacional propriamente dito – aquele que, por conta da geografia, precisa passar pelo Brasil para chegar à Europa – não seria controlado por grupos como o PCC e o CV. “Metade do que chega ao Brasil vai para fora num esquema mais sofisticado e até hoje praticamente não desbaratado”, diz o coronel José Vicente Silva Filho, ex-secretário de Segurança Pública do governo FHC.

Bandido do Rio

As principais facçõescriminosas cariocas

Comando Vermelho

A primeira facção criminosa carioca, de onde surgiram todas as demais. Surgiu em 1979 em um presídio em Ilha Grande, levando para o mundo do crime ensinamentos dos guerrilheiros de esquerda presos no mesmo local. Controla cerca de 60% das favelas cariocas, entre elas a do Complexo do Alemão e a de Vigário Geral. Entre seus principais líderes estão Fernandinho Beira-Mar e Elias Maluco (ambos presos). O único fundador vivo é Willians da Silva Lima, o Professor, com 60 anos de idade e ainda preso.

Comando Vermelho Jovem

A briga pelo controle dos pontos do tráfico de drogas no Complexo do Alemão criou a dissidência liderada pelo traficante Marcinho VP. O líder da facção é suspeito de ser um dos mandantes da morte, em 2000, de Sidneya dos Santos Jesus, uma diretora linha-dura da penitenciária de Bangu 1. Além do comércio de drogas, é responsável por várias blitze policiais falsas nas vias públicas do Rio de Janeiro para roubar carros. Não costuma se relacionar com os moradores. Hoje, divide o Complexo do Alemão com o Comando Vermelho.

Terceiro Comando

Outra dissidência do Comando Vermelho, surgida nos anos 80 de maneira ainda pouca clara para a polícia. Controla favelas do Complexo da Maré, área estratégica por estar às margens da baía da Guanabara. Evita a violência contra policiais– mas não contra outros traficantes – e costuma praticar, nas áreas onde age, o assistencialismo. Seu principal líder é o Linho, também chamado de Paulinho, que já foi dado como morto, mas está foragido há anos. Tem um acordo de atuação amigável com a Amigos dos Amigos.

Terceiro Comando Puro

É uma facção de uma facção. O grupo surgiu depois de uma briga entre seu principal líder, Robinho Pinga, e Linho, do Terceiro Comando. São donos do tráfico em favelas como as da Coréia. Tem o segundo maior arsenal de armas dos grupos cariocas, com cerca de 180 fuzis. Nos seus depósitos foram encontradas granadas e até minas terrestres. Tem ajuda de ex-militares do Exército. Religioso, Robinho Pinga só deixa as festas nas favelas começarem depois de uma oração.

Amigos dos Amigos

Dissidência do Comando Vermelho, fundada pelo Uê, que, mesmo preso na penitenciária de Bangu 1, chegou a comandar ataques a postos da Polícia Militar e a delegacias. Uê foi assassinado em 2002 durante uma rebelião no presídio. Hoje, seu maior líder é Celsinho da Vila Vintém. É o mais capitalista dos grupos e também um dos mais brutais. Não faz assistencialismo e aterroriza a população. Comanda as favelas do Complexo de São Carlos, Adeus/Juramento, Caju e Vila Vintém.

As soluções

Quatro propostas paracontrolar o crime organizado

Serviço de inteligência

O crime organizado atua em rede. Em suas ações, ele costuma mobilizar desde outros grupos criminosos até comparsas dentro do governo e da polícia. A maioria dos especialistas defende que a inteligência – e não a força – é o meio mais eficiente para combatê-lo. Os métodos incluem escutas telefônicas, agentes infiltrados nas facções e troca de informações entre as polícias. “Só a Receita Federal e o Disque-Denúncia do Rio de Janeiro fazem um trabalho assim. O Brasil também usa pouco o serviço da Interpol [uma agência internacional de inteligência]”, diz o coronel José Vicente Silva Filho, ex-secretário de Segurança Pública do governo FHC.

Legislação

Endurecer as penas, embora seja uma idéia popular, não é a solução contra o crime organizado. Mesmo assim, algumas mudanças nas leis poderiam ajudar. Hoje elas impedem, por exemplo, escutar conversas entre os criminosos e seus advogados, que acabam levando recados para fora das cadeias. “Devia se isolar esse tipo de criminoso. É preciso um big brother nas cadeias”, diz Walter Maierovitch, do Instituto Giovanni Falcone. As leis brasileiras também poderiam ter leis específicas para o crime organizado. “Nossa legislação só considera a ‘formação de quadrilha’. Tipificar o crime organizado poderia ampliar as penas”, diz o coronel José Vicente Silva Filho.

União entre os governos

As facções criminosas muitas vezes atuam com conexões em vários estados e países. Por isso, não faz sentido que cada polícia tente combater isoladamente o crime em seu estado. Especialistas como Norman Gall, do Instituto Fernand Braudel, acreditam que a gestão da segurança pública é trabalho para o governo federal. Os governos estaduais, segundo ele, não têm os contatos, a capacidade técnica nem a perícia para combater o crime organizado. Ele propõe a criação de um Ministério de Segurança Pública e de uma Guarda Nacional – uma polícia militar que atue em todo o território nacional, e dispense o uso do Exército em ações contra o crime.

Mudanças nas polícias

A polícia de todos os estados sofre com baixos salários, equipamento precário e planos de carreira inconsistentes. Além disso, a Polícia Civil e a Militar acabam atuando separadas e muitas vezes invadindo as funções uma da outra, o que acaba gerando rivalidades. Enquanto os policiais ficam brigando entre si, a vida do crime organizado fica mais fácil. Uma saída possível é integrar as duas forças policiais em uma só organização, com estrutura e burocracia mais modernas e capaz de coordenar melhor a estratégia de combate ao crime. “É preciso investir também em recursos humanos e diminuir o desvio de policiais para serviços burocráticos”, diz Norman.

Para saber mais

Do CV ao PCC – A irmandade do crime – Carlos Amorin, Record, 2005

https://www.necvu.ifcs.ufrj.br – Núcleo de estudos de violência urbana da UFRJ

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