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O 5 de Outubro de 1910: a trajectória do republicanismo criar PDF versão para impressão enviar por e-mail
Classificação: / 12
PiorMelhor 
Escrito por Paulo Vicente   
03-Oct-2006

Quando se assinala a passagem de mais um ano da instauração da República em 1910, cumpre destacar a importância do dia que marcou a mudança de regime e que hoje continua como o modelo vigente na estrutura política e administrativa do país, constitucionalmente consagrado desde 1976.

Os símbolos da República: a nova bandeira e o hino nacional nascido do Ultimatum de 1890. O republicanismo é originário, matricialmente e no contexto europeu, da tríade liberdade, igualdade e fraternidade, que a Revolução Francesa (1789) tornou estandarte das esperanças progressistas no decurso do século XIX. Em Portugal, em Espanha, mas também em França, a aspiração e experiência republicanas decorrem do inicial carácter revolucionário assumido pelo ideário burguês no desmantelamento do Antigo Regime. A monarquia constitucional, oriunda do modelo francês, revelou-se como um compromisso instável e condenada ao fracasso sempre que o liberalismo se propôs reequacionar os problemas nacionais consoante a tríade revolucionária, na força e na integridade do seu ímpeto de origem. Foi exactamente o que ocorreu em França com as repúblicas de 1848 e 1870, em Espanha, em 1868, e em Portugal, a partir de 1848-51, quando principia a conceber-se a «regeneração» do regime liberal institucionalizado, mediante a República, «almejada como panaceia política para os males gerais da Pátria».

Não é contra o liberalismo que o republicanismo se ergue e define, mas tão-só contra dada interpretação dele, concretizada numa determinada situação, que é, simultaneamente, de teor político, social e económico.

A institucionalização da liberdade burguesa não promoveu a igualdade real dos cidadãos, daí que a prescrição da fraternidade se condenasse a assumir carácter de utopia.

Data de 1829, no apogeu do período miguelista, a primeira referência, entre nós, à instituição republicana. Desta forma, na ilha Terceira, o general Marinho sugeriu, então, «que se recobrassem os diferentes territórios ultramarinos que na Europa, África, Ásia e Oceânia ainda atestavam o grão poder do antigo Portugal, constituindo com eles a República dos Estados Unidos Portugueses Ultramarinos». Tal sugestão, no limiar da utopia, não tem quaisquer consequências assinaláveis. Depois é a guerra civil (1832-34) e a legislação de Mouzinho da Silveira; a oposição cartismo-setembrismo e a vitória do liberalismo tout court (à medida das possibilidades portuguesas) relativamente às aspirações democratizantes, representadas pelo setembrismo (1834-42); a difícil instauração do capitalismo e do governo dos «barões» (a partir de 1842 até 1846, na forma irascível que lhes imprimiu o governo de Costa Cabral e, após 1851, na «ordem» regeneradora, pautada pelo rotativismo partidário).

Às 9 horas da manhã de 5 de Outubro de 1910, José Relvas, membro do Directório do Partido Republicano, proclama a República, da varanda dos Paços do Concelho de Lisboa. De 1848 a 1852, coincidindo, no plano interno, com a liquidação da Patuleia e, no europeu, com os efeitos da revolução de 1848, decorre, na verdade, o primeiro surto de democratismo, que extravasava claramente os limites institucionais da monarquia constitucional, assumindo carácter subversivo. Setembristas de esquerda, indignados com a vitória do trono sobre o democratismo latente da Patuleia, encaram pela primeira vez a hipótese do derrubamento da monarquia. A publicação de A Conspiração das Hidras (1848), de José Estêvão, Oliveira Marreca e Rodrigues Sampaio, de intuitos conspiratórios, a acção do primeiro jornal republicano, A República (Abril de 1848), e o manifesto ao país dos estudantes de Coimbra, nesse mesmo ano, bradando o seu democratismo, enaltecendo os sucessos a que pôs termo a Convenção de Gramido (1847) são outros factores que potenciam a criação de uma ideologia democratizante que em Portugal assume um carácter concomitantemente republicano e socialista, sob a influência de Saint-Simon, Fourier, Louis Blanc e Proudhon.     

Cada vez mais próxima da Europa trans-pirenaica, devido às linhas férreas que Fontes Pereira de Melo conseguira lançar, a mocidade coimbrã acorda como geração revoltada contra a «paz podre» da Regeneração e concebe o projecto de sacudir o país e acordá-lo do seu marasmo. Antero de Quental e Teófilo Braga deflagram a Questão Coimbrã (1865) e eis que se constitui o Cenáculo, onde Antero como que impõe o estudo de longa duração de Proudhon, se levam a efeito as Conferências Democráticas do Casino (1871) e surgem jornais cujos cabeçalhos são elucidativos do que se trata: A República, O Republicano, Gazeta Democrática.

A elite de estudantes (Antero, Teófilo), aos quais se juntam José Fontana e Oliveira Martins, homens de outra experiência social, é maciçamente republicana por volta de 1870. Porém, o republicanismo de agora, volvidos vinte anos sobre o fracasso de 1848-51, não se encontra na mesma anterior relação, que se diria unitária, com o socialismo.

As reduzidas hostes republicanas vão se empenhar na tarefa de, pela propaganda, divulgar as suas ideias e pensamento político a partir de cerca de 1874 até ao ano decisivo de 1890, tendo essa propaganda culminado nos festejos cívicos da comemoração do centenário de Camões (1880). Em 1873, a nebulosa republicana, em busca de uma ideologia viável, apresentava um leque de tendências, cuja ala esquerda, o republicanismo liberal, detentora de maior número de adeptos, se confundia ou preparava confundir-se com o socialismo, cujo ideário reivindicava: democratas, republicanos moderados, radicais ou federais.     

Até ao triunfo do republicanismo unitário (1880), sob a orientação do democrata Elias Garcia, apreende-se a deslocação do centro de gravidade do republicanismo para posições mais conservadoras, condicionadas pelo termo da República Espanhola (1874), pela vitória eleitoral dos republicanos franceses (1876) e, após o suicídio de Fontana (1876), pela perda da virulência do socialismo português. O programa do Partido Republicano Unitário, tal como foi formulado em 1880, cinge-se a reivindicações de carácter exclusivamente político, propalando, ainda assim, no campo económico, a liberdade de troca e a abolição dos direitos de consumo cobrados pelo Estado. A partir deste momento, o republicanismo é tão-só um liberalismo que, buscando incorporar uma mística patriótica, concebe a «ideia dum ressurgir da pátria portuguesa» mediante um «governo do povo pelo povo». Nas mentes mais esclarecidas destes doutrinadores perpassava o sonho político maior que emociona a sua firme propaganda: acabar com a monarquia; encerrar um caminho e abrir outro, ao lado, pelo qual o liberalismo pudesse vir a assumir carácter democrático e, portanto, efectiva e integramente nacional.

Cerca de 1880, uma profunda sensação de desânimo tinha substituído o optimismo das primeiras décadas da Regeneração. O país tomava consciência da sua debilidade económica e sentia a aproximação de tempos ainda mais difíceis. Dos campos, mal cultivados, saíam grandes contingentes de emigrantes; nas cidades vegetava um operariado miserável, rude e analfabeto; as classes médias, ávidas de promoção social e participação política, conciliavam, com dificuldade, os magros salários com a vida digna que o seu estatuto lhes impunha.

O Partido Republicano, fundado em 1876, soube capitalizar em seu favor a crise económica que se abateu sobre o país e o descrédito em que se encontravam os partidos do rotativismo monárquico. Num tom violento e populista, desdobrava-se em violentas críticas ao rei e aos seus governos, que identificava com a «decadência nacional». Ao longo da década de 80 do século XIX, a expressão eleitoral do Partido Republicano foi crescendo e, com ela, cresceu também o clima de exaltação patriótica.

Entre os temas que mais galvanizaram a opinião pública encontravam-se os que diziam respeito aos territórios africanos, alvo de cobiça das grandes nações industriais. Em 1881, a Sociedade de Geografia de Lisboa elaborou um projecto de ocupação do território que ligava, numa faixa contínua, Angola e Moçambique. Os governos de D.Luís, e, depois, de D.Carlos lutaram empenhadamente para garantir o êxito do projecto, que ficaria conhecido pelo nome de Mapa cor-de-rosa. Com este propósito, foram encetados intensos contactos diplomáticos, bem como a exploração e ocupação dos territórios, de acordo com os ditames da Conferência de Berlim. As pretensões africanas de Portugal, expressas no Mapa cor-de-rosa, chocavam frontalmente com a intenção inglesa de formar uma faixa contínua do território no sentido norte-sul “do Cairo ao Cabo”. Em 11 de Janeiro de 1890, Portugal recebeu um Ultimatum britânico, em que se impunha, sob pena de corte diplomático, a imediata retirada das forças expedicionárias portuguesas na zona em disputa. O governo e o Conselho de Estado reuniram de imediato, sob a presidência do rei D.Carlos há apenas dois meses no trono, e, temendo dar à Inglaterra a oportunidade de conseguir pela força territórios bem mais vastos do que aqueles que reivindicava por via diplomática, o governo cedeu às exigências britânicas. A opinião pública mobilizou-se, crescendo um sentimento anglófobo; a Pátria enlutada via na República a salvação, dado que a par desta grave crise política acresce uma outra de natureza financeira muito significativa com implicações sociais muito nítidas neste fim do século XIX. Foi ainda no rescaldo do choque provocado pelo Ultimato que eclodiu, no Porto, em 31 de Janeiro de 1891 a primeira tentativa de derrube da monarquia, que acabaria, no entanto, por fracassar.     

Em contraponto ao republicanismo crescente, gerou-se um clima propício ao reforço do poder central. D.Carlos assumiu então uma posição mais interventiva que as circunstâncias lhe exigiam, chamando ao governo novas personalidades e encetando as reformas há muito desejadas. Porém, a forte contestação aos actos governativos conduzem ao fracasso deste esforço promovido pelo monarca. As greves sucederam-se (1903 e 1907 foram annus horribilis), cresceram os tumultos, organizam-se novas associações revolucionárias (entre elas a Carbonária), a questão colonial continua à espera de uma resolução contundente.

Em 1906, a esperança parece renascer quando o rei D.Carlos nomeia chefe de governo João Franco. Este dissidente do Partido Regenerador começou por governar de forma liberal, mas desde cedo se viu confrontado com a sistemática obstrução do Parlamento, agitado por escândalos financeiros e pela agressividade dos partidos da oposição. Perante esta situação, D.Carlos, a pedido do ministro, dissolveu o Parlamento, passando João Franco a governar «em ditadura» (Abril de 1907). A tensão social cresce com uma ditadura opressiva, cuja repressão é tolerada e aplaudida por D.Carlos, que se traduz inevitavelmente no agudizar de um clima de forte oposição à monarquia e que acaba por desembocar no assassinato do rei D.Carlos e do príncipe herdeiro D.Luís Filipe no dia 1 de Fevereiro de 1908. Nos meses que se seguiram, poucos choravam o rei defunto nas ruas; em contrapartida, os retratos dos homicidas (Manuel Buíça e Alfredo Costa, membros da Carbonária), quais mártires, vendiam-se aos milhares…

O regicídio colocou no trono o príncipe D.Manuel (D.Manuel II), de 19 anos, que, sob o lema de «acalmação», procurou governar num clima de transigência e compromisso. Esta inversão da política de seu pai não foi, todavia, suficiente para lhe firmar o trono. Em 4 de Outubro de 1910, eclodia, em Lisboa, uma revolta republicana que sairia, finalmente, vitoriosa. No dia seguinte, 5 de Outubro, era solenemente proclamada, da varanda da Câmara Municipal de Lisboa, a Primeira República Portuguesa. De imediato se constituiu um Governo Provisório presidido por Teófilo Braga e a 24 de Agosto de 1911 a Assembleia elegeu Manuel de Arriaga para primeiro presidente da República Portuguesa. A 3 de Setembro tomou posse o primeiro Governo Constitucional.

Com a implantação da República, os novos dirigentes vão procurar cumprir algumas das promessas que alimentaram o apoio gradual aos republicanos ao longo de vários anos, entre elas a igualdade social, o laicismo e anticlericalismo, a justiça social e a consolidação do ensino primário, pois a instrução era tida como condição indispensável da participação política. Os efeitos da concretização do ideário republicano e as vicissitudes da Primeira República (1910-1926) merecem uma análise futura, tarefa a que nos dedicaremos num próximo texto.

 

Foto 1: Os símbolos da República: a nova bandeira e o hino nacional nascido do Ultimatum de 1890.

Fonte: COUTO, Célia Pinto do, ROSAS, Maria Antónia Monterroso, O tempo da história, história A, 3º parte, 11º ano, Porto, Porto Editora, 2004, p.125.

 

Foto 2: Às 9 horas da manhã de 5 de Outubro de 1910, José Relvas, membro do Directório do Partido Republicano, proclama a República, da varanda dos Paços do Concelho de Lisboa.

Fonte: COUTO, Célia Pinto do, ROSAS, Maria Antónia Monterroso, O tempo da história, história A, 3º parte, 11º ano, Porto, Porto Editora, 2004, p.124. 

 
 


Este trabalho, realizado no âmbito da bolsa de doutoramento (referência SFRH / BD / 27384 / 2006) da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, é co-financiado pelo POCI 2010 (Programa Operacional Ciência e Inovação 2010) e FSE (Fundo Social Europeu).
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g (81.84.248.xxx) 2010-05-26 13:00:23

merda ! n nos dizem o que é uma republica -.-
-+0warcraft Power Leveling
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