As políticas ecológicas ou ambientais, entendidas como as opções de governação que vão no sentido da preservação do equilíbrio ambiental e da promoção da sustentabilidade, surgiram no momento em que os problemas relativos ao ambiente começaram a refletir-se nas sociedades humanas. O mesmo é dizer que as políticas ambientais foram iniciadas há alguns milhares de anos, quando as primeiras sociedades humanas conseguiram organizar-se ao ponto de constituírem aglomerados populacionais com alguma dimensão. Por exemplo, no antigo Egito, já eram constituídas lixeiras para gerir os resíduos produzidos pelos habitantes das cidades e mesmo as sociedades pré-históricas da América do Sul já amontoavam os seus desperdícios fora dos pequenos aglomerados populacionais que constituíam. Roma, há mais de 2000 anos, já dispunha de latrinas públicas e rede de esgotos, possuindo condições superiores às existentes em muitas cidades atuais. No entanto, foi a partir do séc. XVIII, com o início da revolução industrial e com o aumento da população mundial, do consumo de recursos e da poluição, que as políticas ambientais se tornaram mais prementes, atingindo níveis de exigência crescentes à medida que o próprio desequilíbrio ambiental se ia acentuando.
Os primórdios da proteção florestal
Desde cedo, o arquipélago da Madeira, marcado por uma população que crescia em contraste com a exiguidade do seu território e que explorava os seus recursos numa lógica de servir as necessidades do Reino, também sentiu a urgência de adotar medidas para minimizar as consequências dos desequilíbrios que a atividade humana infligia sobre o ambiente. O povoamento da Madeira e do Porto Santo no séc. XV traduziu-se num intenso processo de arroteamento de terras para a agricultura e na exploração de madeiras de elevada qualidade na floresta indígena. Esse processo foi de tal forma intenso que rapidamente afetou a sustentabilidade de recursos naturais valiosos, obrigando, no decorrer de apenas uma geração desde o início do povoamento, à adoção de medidas de proteção ambiental e gestão dos recursos. Efetivamente, logo no ano de 1493, D. João II estabelece, através de alvará régio, medidas destinadas a combater a destruição dos arvoredos da ilha da Madeira, limitando, p. ex., o corte de freixos e cedros da Madeira e impondo a necessidade de uma licença para esse fim. Alguns anos depois, em 1515, surge o «regimento das madeiras», estabelecido por carta régia, que proíbe o corte de árvores sem licença das câmaras, protege o arvoredo em zonas de nascentes ou águas correntes e ordena a plantação de pinheiros e castanheiros nos terrenos que para esse fim fossem mais adequados, estabelecendo penalidades para os infratores. Mais tarde, em 1562, estas disposições são ampliadas por um novo regimento promulgado pela rainha-regente D. Catarina e que chegou a ser considerado o Código Florestal da Madeira por vários autores ao longo dos séculos seguintes. Este regimento de 1562 assume, em virtude dos grandes abusos praticados então, a necessidade de serem adotadas medidas de maior repressão contra a destruição dos arvoredos, sendo exemplo disso a pena de degredo para África a quem pusesse fogo na serra ou excedesse os limites das concessões para corte de madeiras, correndo ainda o risco de açoitamento e multa.
O ordenamento do pastoreio
Além dos incêndios e do corte de madeiras, o gado introduzido e solto nas serras com a chegada dos primeiros povoadores foi outro dos problemas que suscitou desde cedo a adoção de disposições com o propósito de minimizar o seu efeito nocivo sobre o património natural e as culturas agrícolas. O gado solto nas serras proliferou de tal forma que, por disposição do Infante D. Henrique (1394-1460), senhorio da Madeira, nas próprias cartas de doação das capitanias, concedeu permissão para que os habitantes da ilha o pudessem matar sem restrições. Ainda no séc. XV, em 1492, D. Manuel (1469-1521), antes de ser rei de Portugal, na condição de governador da Ordem de Cristo e detendo jurisdição sobre estas ilhas, mandou que o capitão do Funchal proporcionasse a existência de currais na serra para prevenir prejuízos nas culturas de altitude em zonas invadidas pelo gado. Pelos graves prejuízos que causavam nas serras e nas culturas, o gado caprino e suíno foi reconhecido como nefasto e várias medidas foram tomadas no sentido de proibir a sua criação em regime livre. P. ex., antigas determinações do Senado porto-santense proibiam o gado caprino à solta no Porto Santo e, em 1662, o Senado funchalense punha termo à existência de porcos em liberdade. No entanto, apesar destas medidas, e não obstante a Lei n.º 81 de 23 de julho de 1913 ter também interditado de forma expressa a pastagem de gado suíno e caprino em terrenos não vedados, as serras da Madeira continuariam a sofrer com a voracidade destes animais até ao fim do séc. XX.
Nova tentativa para ordenar o pastoreio na Madeira e Porto Santo foi feita, em 1942, no âmbito do Plano de Povoamento Florestal. Nesse contexto, o gado suíno bravio deveria ser reduzido a um mínimo de reserva genética, a manter em terreno vedado, e o caprino seria estabulado, ficando proibido o seu apascentamento nas serras da Madeira e do Porto Santo e nos seus ilhéus. A organização do regime pastoril do gado ovino e bovino naqueles territórios ficaria a cargo dos serviços florestais, com apascentamento em pastagens arborizadas e passando a funcionar em rebanhos permanentemente vigiados por pastores e cães devidamente treinados.
Apesar das políticas que foram adotadas ou ensaiadas ao longo de séculos, o problema da carga excessiva e desordenada de gado bravio nas serras da Madeira e Porto Santo manteve-se e só ficou resolvido definitivamente no início do séc. XXI. A primeira fase desta política ambiental bem-sucedida decorreu entre 1982 e 1987 com a erradicação total dos porcos bravios por parte dos serviços da Direção Regional das Florestas. A fase seguinte foi impulsionada pela CMF com a criação de um Parque Ecológico nos antigos montados dos Barreiros e do Pisão, que implicou, em 1994 e 1995, a retirada de cerca de 1200 ovelhas e cabras que aí pastavam livremente. De imediato, o GRM imprimiu um ritmo mais acelerado à retirada de ovinos e caprinos em pastoreio desregrado, processo que já havia sido iniciado em 1994 e que foi concluído em 2003, libertando assim as serras da Madeira e Porto Santo deste problema centenário. Para o sucesso de tal retirada nas serras contribuíram as indemnizações atribuídas aos proprietários do gado, com recurso a fundos regionais e da comunidade europeia, tendo ainda sido decisiva a perda de importância da atividade na sequência do forte crescimento económico que a Região experimentou nessa época.
A rearborização das serras da Madeira e Porto Santo
Como já se constatou, as políticas definidas ao longo de séculos para prevenir a destruição do arvoredo nem sempre surtiram efeito, muitas vezes não passando de letra de lei. A pressão contínua sobre o coberto vegetal, devido ao corte de madeiras, à produção de carvão vegetal, aos incêndios ou ao pastoreio, foi despindo, ao longo de séculos, grande parte das serras da Madeira e do Porto Santo. Face à dificuldade em travar este processo destrutivo, surgiram políticas florestais que tentaram recuperar tais danos. Já na carta régia de 1515 acima referida, que estabelece o «regimento das madeiras», D. Manuel I mandava plantar castanheiros e pinheiros nas terras que fossem mais adequadas a estas espécies e, ao longo dos séculos seguintes, outras medidas foram tomadas para promover a rearborização das zonas mais afetadas na ilha da Madeira. Em 1598, pela ausência de floresta em parte das serras da Capitania de Machico, o Senado ordenou a sua rearborização com as espécies estabelecidas na carta régia de 1515 e, em 1627, as posturas do concelho determinavam a obrigatoriedade de os proprietários plantarem por ano pelo menos duas dúzias de castanheiros ou nogueiras sob pena de multa se não o fizessem e comprovassem. Em 1799, foi estabelecido um viveiro na freguesia do Monte para produzir e distribuir árvores e, por carta régia de 14 de maio de 1804, depois da grande aluvião de 9 de outubro de 1803, que terá vitimado cerca de mil pessoas, foi ordenado que se semeasse e plantasse nas serras da Madeira e Porto Santo as espécies de árvores mais adequadas ao terreno e que as câmaras também o fizessem nos terrenos concelhios e procedessem severamente contra aqueles que incendiassem as matas e cortassem as árvores. Já nessa carta régia se reconhecia que as pesadas consequências da aluvião decorriam da «total destruição das preciosas matas que consolidavam a superfície» da ilha e, talvez por isso, no decorrer do séc. XIX, muitas foram as iniciativas para fomentar o desenvolvimento de maciços florestais, em particular de pinhal.
Um importante momento alto da arborização das serras da Madeira no séc. XIX foi resultado do empenho de José Silvestre Ribeiro (1807-1891), governador civil do distrito do Funchal entre 1846 e 1852, tendo sido incansável na pressão e apoio junto das câmara municipais, não só na promoção de plantações como na defesa das florestas contra as fortes e insistentes investidas dos incêndios, carvoeiros e gado bravio. Este esforço continuou na primeira metade do séc. XX, destacando-se o importante trabalho do regente florestal António Shiappa de Azevedo (1870-1926) ao longo das primeiras décadas, ainda visível na mancha verde que se destaca no Pico Castelo na ilha do Porto Santo. Ainda nessa fase, a CMF pôs em marcha um importante trabalho de reflorestação do Montado do Barreiro, na serra do Monte, que posteriormente, em 1994, viria a constituir o Parque Ecológico do Funchal. A autarquia começou por incumbir, em 1913, o Eng.º Abílio de Barros e Sousa de estudar a sua arborização, acrescentando-lhe novas áreas nas décs. de 30 e 40 e procedendo, ao mesmo tempo, à plantação de uma grande variedade de espécies exóticas e indígenas.
Apesar de as ilhas terem sido sujeitas ao Regime Florestal desde 1901, só a partir de 1951 o distrito do Funchal foi dotado da sua Circunscrição Florestal (CF) e, sob a chefia do Eng.º silvicultor Eduardo Campos Andrada, iniciou-se a concretização de um novo repovoamento florestal. Até à regionalização dos serviços florestais, na sequência do processo autonómico iniciado em 1976 após o fim do regime ditatorial com a revolução de 25 de abril de 1974, a CF do Funchal promoveu a arborização de mais de 17 mil hectares na Madeira e Porto Santo. Para o sucesso desse esforço de arborização das serras muito contribuíram os viveiros criados pela própria CF na Madeira e Porto Santo, que, até 1966, já estavam estabelecidos no Santo da Serra, no Pico das Pedras, no Poiso, nos Lamaceiros-Portela, nas Funduras-Machico, na Encumeada, na Santa-Porto Moniz e no Porto Santo, nos Salões e nas Chapas, com uma capacidade total para produzir anualmente cerca de um milhão e meio de plantas.
Com o início da democracia e a implantação do regime autonómico no arquipélago da Madeira, os serviços foram regionalizados e foi criada a Direção Regional de Florestas que assumiu as competências da antiga CF e, como tal, ficou responsável por continuar o processo de reflorestação das serras da Madeira e Porto Santo. De 1976 a 2002, primeiro com financiamento regional e posteriormente, a partir de 1990, da CE, a Direção Regional de Florestas procedeu à arborização de mais de mil hectares na Madeira e Porto Santo, tendo mais do que duplicado esse valor até ao início da segunda década do séc. XXI. De notar que durante muito tempo as espécies exóticas foram privilegiadas em todo este processo multicentenário de arborização das serras, tendo, no entanto, as espécies indígenas da Madeira vindo a ganhar preponderância a partir dos anos 90, até passarem a ser utilizadas quase em exclusividade. Inclusive, nesta última fase, alguns maciços arbóreos resultantes do processo de florestação com espécies exóticas foram reconvertidos, mantendo-se ainda grandes manchas em particular de eucaliptal.
A criação de um corpo de Polícia Florestal no arquipélago no início do séc. XX, formalizado por um decreto de 8 de março de 1913, mas antecedido pelos guardas campestres nomeados pelas câmaras municipais, constituiu um importante contributo para a implementação das políticas florestais já descritas. Lamentavelmente, apesar do esforço humano e financeiro desenvolvido ao longo de décadas, os violentos incêndios que continuaram a ocorrer ciclicamente na Madeira reduziram a cinzas grande parte desse trabalho. Nem mesmo a criação de corpos de bombeiros em praticamente todos os concelhos – iniciada com a fundação do Corpo de Bombeiros Voluntários do Funchal, em 1888, que posteriormente passou a Bombeiros Municipais do Funchal, seguido dos Bombeiros Voluntários Madeirenses, em 1926, e dos Bombeiros Municipais de Santa Cruz, em 1932, passando pelos Bombeiros Voluntários de Câmara de Lobos, em 1949, e os Municipais de Machico, em 1960, até aos mais recentes Corpos de Bombeiros Voluntários, os da Ribeira Brava, em 1986, os de Santana, em 1989, os da Calheta, em 1992, os de São Vicente e Porto Moniz, em 1994, e finalmente os do Porto Santo, em 1996 – conseguiu atenuar o grave problema dos incêndios. Efetivamente, nas últimas décadas do séc. XX e primeiras do séc. XXI, a área ardida assumiu proporções assustadoras pondo em causa o trabalho desenvolvido em defesa do património natural da Madeira. A sublinhar a dimensão e a gravidade deste problema estão os grandes incêndios de 1979, 1988, 2010 e 2012, que percorreram, respetivamente, 15.000, 10.000, 8632 e 6000 hectares, correspondendo a 20 %, 13,5 %, 11,5 % e 8 % da superfície da ilha.
As áreas protegidas
Com o crescimento do movimento conservacionista a nível internacional, Portugal, no início da déc. de 1970, mesmo estando ainda sujeito a um regime ditatorial, sente a necessidade de estabelecer áreas protegidas, acompanhando assim o que outros países, nomeadamente os EUA, já faziam desde a segunda metade do séc. XIX.
Embora, em 1948, a sociedade portuguesa já tivesse dado origem a uma organização não governamental vocacionada para a conservação da natureza, a Liga para a Proteção da Natureza (LPN), só em 1971 o governo de então irá criar as primeiras áreas protegidas: o primeiro e único Parque Nacional, o da Peneda Gerês, a 8 de maio; a Reserva da Serra da Arrábida, a 16 de agosto, que em 1976 se irá transformar em Parque Natural; e a Reserva Natural das Ilhas Selvagens, a 29 de outubro, colocando o território que atualmente constitui a RAM na vanguarda da conservação da natureza em Portugal. Em fevereiro de 1974, ainda antes da conquista da democracia em Portugal e por iniciativa da CF do Funchal no seguimento do trabalho que vinha a desenvolver, surge uma proposta para o estabelecimento de um conjuntos de reservas na Madeira com o objetivo de assegurar a preservação dos recursos e património natural. Apesar da Revolução dos Cravos que ocorreu logo a seguir, a 25 de abril, e da prioridade dada aos necessários desenvolvimentos para a implantação da democracia, por diligência do III Governo Provisório do período de mudança de regime político em Portugal, é criado, logo a 15 de janeiro de 1975, o Parque Natural da Madeira (PNM) através de uma primeira definição dos seus limites e de medidas preventivas provisórias (Dec. n.º 13/75, 15 de janeiro). Em 1979, já ao abrigo do Estatuto Provisório da RAM, a Assembleia Regional dá o primeiro passo legislativo no sentido de fazer evoluir o PNM criado pelo Governo Provisório de Vasco Gonçalves e define um conjunto de medidas de proteção contra o pastoreio desregrado, estabelecendo ainda os limites da reserva geológica de altitude e de várias reservas naturais, como as do Caldeirão Verde, do Montado dos Pessegueiros, da Fajã da Nogueira e da Ponta de S. Lourenço, entre outras (Dec. Regional n.º 21/79/M, 27 de setembro). Curiosamente, a 10 de novembro de 1982, pelo Decreto Legislativo Regional n.º 14/82/M, a Assembleia Regional ignora todo o enquadramento legislativo anterior e cria de novo o PNM, procedendo à sua delimitação e classificação de acordo com os valores a proteger em cada uma das suas áreas. Logo no preâmbulo, como condição para que os objetivos associados à criação desta área protegida possam singrar, o diploma identifica a necessidade de ordenar o pastoreio, situação que, como já se viu, só veio a ficar resolvida duas décadas depois, em 2003. Em 1985, através de Decreto Legislativo Regional, são definidas as medidas preventivas, disciplinares e de preservação relativas ao PNM (Dec. Legislativo Regional n.º 11/85/M, 23 de maio) e, em 1993, o GRM aprova a orgânica do Serviço do PNM (Dec. Regulamentar Regional n.º 13/93/M, 25 de maio). Para além de estabelecer este novo Serviço que fica responsável pela conservação da natureza na RAM, o referido Decreto Regional cria ainda o Corpo de Vigilantes da Natureza. Assim, a partir daqui fica definido o modelo de administração e gestão não só do PNM e das suas reservas como também de todas as outras áreas protegidas sob a tutela da RAM, nomeadamente as reservas naturais das Ilhas Selvagens, das Ilhas Desertas, do Garajau, da Rocha do Navio e a Rede de Áreas Marinhas Protegidas da Ilha do Porto Santo. No entanto, só 16 anos depois, em 2009, os planos de ordenamento e gestão destas áreas foram aprovados, em particular para dar resposta às exigências europeias relativas à Rede Natura 2000, uma rede designada ao abrigo das Diretivas Aves e Habitats para conservar as espécies e os habitats mais ameaçados da Europa, e na qual as áreas protegidas do arquipélago da Madeira se incluem.
Com este enquadramento, as políticas de conservação da natureza desenvolvidas ao longo do tempo, e em particular após a constituição do Serviço do PNM, resultaram na melhoria do estado de conservação de bens emblemáticos do património natural do arquipélago, como: a floresta Laurissilva, reconhecida pela UNESCO, em 1999, como Património Mundial Natural; o Lobo Marinho (Monachus monachus), que desde a década de 1980 aumentou o seu efetivo populacional nas Ilhas Desertas de menos de dez para mais de quarenta; e, entre outros, a Freira da Madeira (Pterodroma madeira), que esteve dada como extinta até aos finais da déc. de 1960. Persistiram, no entanto, além da ameaça dos incêndios florestais, outros problemas que afetaram os ecossistemas indígenas do arquipélago, como é caso das espécies invasoras, que, apesar do combate que lhes foi movido, continuaram a ser um problema que carecia de atenção permanente.
A gestão dos recursos hídricos
Apesar de não existir carência de recursos hídricos na Ilha, o transporte deste recurso até aos campos de cultivo, engenhos e povoados constituiu, desde o início do seu povoamento, um enorme desafio. Por um lado, o relevo acidentado e, por outro, a assimetria norte/sul em termos de disponibilidade e uso, tornaram a água um recurso natural com elevado custo socioeconómico, motivando alguma agitação social e política.
Na Madeira, as pelejas pela água de irrigação ao longo dos séculos levaram a que fossem cometidos assassinatos, crimes e vinganças, e deu origem a litígios e levantamentos populares. Estas discórdias frequentes, porventura agravadas pela escassez de água devido à destruição do coberto florestal na costa sul da Ilha, obrigaram desde cedo, e ao longo dos séculos, a disposições legais que procuraram acautelar uma repartição mais equitativa desse bem. Curiosamente, a relação direta entre a preservação do coberto florestal e o incremento da disponibilidade de água já era conhecida desde cedo e, como tal, justificativa das políticas florestais anteriormente descritas. Efetivamente, já no alvará régio de D. João IV de 12 de janeiro de 1641, o corte dos arvoredos era severamente condenado por serem prejudiciais à condensação atmosférica, ao regime das chuvas e, consequentemente, aos caudais das levadas e das fontes. As primeiras regras que se conhecem, ainda do reinado de D. João I e, portanto, dos primeiros momentos do povoamento da Ilha, consideram as águas e nascentes como domínio público, como o comprova o conteúdo dos regimentos que enviou a João Gonçalves Zarco. Os primeiros conflitos conhecidos associados à distribuição das águas datam de 1461 e 1466, anos em que foi necessária a intervenção do infante D. Fernando, Mestre da Ordem de Cristo e sucessor do infante D. Henrique, para a sua resolução. No entanto, é no reinado de D. João II, através das suas cartas régias de 7 de março e 8 de maio de 1493, que começam por ser definidos os direitos sobre a água na Madeira. Nestas, fica estabelecido que as águas constituíam um património comum por serem imprescindíveis ao aproveitamento das terras, ficando a sua distribuição e usufruto dependentes das necessidades dos campos de cultivo. Apesar desta clarificação, como a água apenas ganhava valor no campo de cultivo, onde cumpria a sua função, os privados que construíam levadas proporcionavam um serviço imprescindível à agricultura, pelo que as águas que lhes sobravam continuavam a ser negociadas, sendo vendidas ou arrendadas, a exemplo do que sucedia com as terras. Esta situação acabou por ser oficialmente aceite através de regimento de D. Sebastião em 1562, levando a que as assimetrias entre a propriedade da terra e da água continuassem a aumentar.
Foi neste enquadramento, que persistiu até à aprovação do Código Civil em 1867, que se iniciou a grande epopeia que levou à criação de uma extensa rede de levadas, canais escavados no solo e nas rochas que conduziam as águas desde a sua origem nas nascentes e ribeiras até aos campos de cultivo e povoados. A construção das levadas foi uma necessidade desde a constituição das primeiras explorações agrícolas, tendo sido, ao longo de quatro séculos, até ao início do séc. XIX, uma tarefa a cargo de privados, grandes proprietários e, muitas vezes, do próprio povo auxiliado pelo Estado. Só a partir de 1813, pela necessidade de construir levadas maiores para as quais os privados não tinham capacidade, o Estado passou a intervir diretamente na sua concretização. Exemplos dessas primeiras levadas construídas pelo Estado são a Levada Velha do Rabaçal, iniciada em 1835 e só concluída em 1860, e a Levada da Serra do Faial, com construção iniciada em 1887 e concluída em 1905, depois de percorrer 54 km desde o Faial até à Choupana no Funchal.
No decorrer de cinco séculos, desde o início do povoamento da Ilha, foi criada uma rede de levadas com cerca de 1000 km de extensão, que recolhe e distribui a água desde as linhas de águas e nascentes até aos campos de cultivo. Apesar da sua função inicial principal ter sido a de possibilitar a irrigação das plantações de cana-de-açúcar, as levadas, ainda nessa fase, tiveram um papel importante na disponibilização de força motriz para mover moinhos, engenhos e serras de água. No que à irrigação diz respeito, a sua distribuição sempre ocorreu pelo sistema tradicional denominado «giro», que se distingue por prever um lapso de tempo entre regas subsequentes de um determinado terreno, um período fixo que na maior parte dos casos é de 15 dias.
Os proprietários de uma levada particular designam-se «heréus», os quais começaram por ser os próprios donos das terras carenciadas de irrigação que se organizaram para assegurar a sua construção. Inicialmente a gestão das levadas particulares era feita diretamente pelos respetivos heréus, mas, mais tarde, estes passaram a nomear um administrador para a sua gestão, o designado juiz da levada. Apesar de o Estado não reconhecer a propriedade privada da água que circulava nessas levadas, a verdade é que os heréus, para além da própria levada, tinham-se como donos, ou pelo menos eternos usufrutuários, dos caudais que as alimentavam, realidade que com o tempo se foi tornando uma lei consuetudinária, contrariando o estipulado no séc. XV por D. João II.
Com a aprovação do Código Civil em 1867 e legislação subsequente, os heréus passaram a ter mais autonomia na gestão das suas levadas e caudais, deixando de ter de submeter à homologação do governador civil as suas escolhas para a administração e passando a fazê-lo através de comissões de gerência eleitas por si. Os heréus passaram a ter capacidade jurídica e a constituir-se em associações, o que lhes permitiu maior independência na administração das levadas. No entanto, com o Código Civil, a água e a terra passam a ser consideradas, claramente, dois bens distintos em termos de propriedade. A água passou a ser propriedade de quem detinha a terra de onde ela brotava ou por onde passava e, com essa apropriação, passou a ser possível aliená-la por escritura ou ato público (artigos 438.º, 439.º e 444.º do Código Civil de 1867). Com esta alteração ao que vinha sendo prática desde o séc. XV, algumas prerrogativas de que desfrutavam as levadas passaram a estar em causa, pois foi-lhes negada as águas das nascentes que afluíam naturalmente às ribeiras nas quais iam buscar os seus mananciais. À luz do estipulado no Código Civil, alguns donos de prédios onde existiam nascentes ou por onde passavam cursos de água arrogaram para si esse recurso, negando-se a reconhecer os direitos seculares das levadas da Madeira. Esta situação originou inúmeras disputas em tribunal, que resultaram em decisões contrárias ao interesse das levadas, originando perdas nos seus caudais e a consequente redução da sua capacidade de irrigação. Com o fim da Monarquia, a República procura resolver este problema começando por repor, em 1914, com a Lei n.º 141 de 20 de abril, em determinadas condições, os direitos adquiridos das levadas da Ilha, anteriores à publicação do Código Civil, sobre águas de nascentes de prédios alheios. No entanto, foi somente em 1931, pelo Decreto n.º 19.357 de 14 de fevereiro, que os direitos adquiridos das levadas da Madeira ficaram definitivamente salvaguardados, em particular depois da Lei das Águas de 1919 (Dec. n.º 5787-IIII, 10 de maio de 1919) ter esquecido novamente a realidade específica da Madeira.
Em 1939, através do Decreto-lei n.º 29.718 de 26 de junho, foi criada uma missão técnica encarregue de estudar a possibilidade de novos aproveitamentos hidroelétricos e hidroagrícolas na Madeira. Terminado esse trabalho, deu-se seguimento às suas conclusões com a decisão, em 1943, de se construir uma vasta rede de novas levadas com o propósito de realizar transvazes do norte da ilha para os campos na costa sul, aumentar a área irrigada e implantar várias centrais hidroelétricas (Decretos n.os 33.158 e 33.159, 21 de outubro de 1943). Para concretizar este plano geral dos novos aproveitamentos hidroagrícolas e hidroelétricos da Ilha, orçado em 60 mil contos a executar em 10 anos e suportado em partes iguais pelo Estado e pela Junta Geral do Distrito do Funchal, foi criada a Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (CAAHM). Embora com custos e prazos mais alargados do que os inicialmente previstos, este plano permitiu não só aumentar a captação e distribuição da água na Madeira como também tornar mais eficiente e integrado o seu aproveitamento para irrigação e produção hidroelétrica. Um aspeto estrutural que caracteriza o plano de obras executado pela CAAHM é a captação de águas na costa norte da Madeira, a cerca de 1000 m de altitude, onde é mais abundante, e o seu transporte e distribuição na costa sul, onde é mais necessária, para irrigar os campos de cultivo abaixo da cota dos 600 m, com aproveitamentos do potencial hidroelétrico desse desnível. De entre as obras executadas, merecem destaque: a primeira a ser concluída, a Levada Nova, em 1949, numa extensão de 16 km, que veio beneficiar os campos de cultivo nas freguesias de Machico e Caniçal; a Levada do Norte, finalizada em 1952 com 50 km, com as suas águas a serem turbinadas na Central Hidroelétrica da Serra de Água, a partir de 1953, e a irrigarem as freguesias do Campanário, Quinta Grande, Estreito e Câmara de Lobos; a Levada da Calheta-Ponta do Pargo, concluída em 1953 com 63 km e irrigando terrenos desde a Madalena do Mar até às Achadas da Cruz; e, já numa segunda fase, a Levada dos Tornos, concluída em 1966 com uma extensão de 106 km que perfuram todo o maciço montanhoso central desde a Boaventura, na costa norte, até ao Funchal, a sul, estendendo-se para leste pelo Caniço, Gaula e Santa Cruz.
Estas obras hidráulicas de meados do séc. xx não apenas aumentaram em cerca de 400 km a extensão das levadas da Madeira, perfazendo 1400 km, como praticamente duplicaram a área irrigada, passando de 110 km2, em 1947, para 209 km2, em 1967. Por outro lado, provocaram também grandes alterações no domínio da gestão das levadas e respetivos caudais, passando maioritariamente dos privados para a posse e controlo do Estado. Efetivamente, estes novos aproveitamentos hidráulicos passaram a reunir grande parte das águas particulares em troca de compensações por 50 anos aos respetivos antigos proprietários, cobrando-se, no entanto, as horas excedentes a outros regantes necessitados e procurando refletir sobre todos os beneficiários os custos das obras e da respetiva manutenção. Desta forma, deixou de ser prática na Madeira a posse de água sem terra e a venda de águas sobejantes, situação que dava azo a especulações e abusos para com os lavradores, passando a vigorar na prática o princípio já estabelecido por D. João II, segundo o qual a distribuição das águas se faria na medida da proporção das terras que cada um cultivava.
Após a implantação da Democracia e da Autonomia Regional, não obstante o progressivo abandono da terra, a rede de levadas da Madeira ganhou ainda mais importância ao constituir-se a infraestrutura mestra para o abastecimento de água potável às populações. Em termos de irrigação, os melhoramentos concentraram-se nos trabalhos de manutenção, reparação e extensão dos canais já existentes e na construção de inúmeros tanques de armazenamento que permitiram acabar com a rega noturna. Foram também construídas algumas lagoas de grande dimensão que procuraram atenuar as carências do período estival, nomeadamente a Lagoa das Águas Mansas, em Santa Cruz, concluída em 2009 com capacidade para 214.500 m3, a Lagoa do Santo da Serra, também em Santa Cruz, com obras que em 2011 estenderam a sua capacidade para 640.000 m3 e a Lagoa da Portela, em Machico, em 2012, com capacidade para 87.800 m3. Por outro lado, como resultado do impulso da disponibilidade de financiamento oriundo da então CEE e, depois, da UE, assistiu-se à modernização de algumas explorações agrícolas no que diz respeito aos sistemas de rega adotados, com melhorias notáveis na sua eficiência. A partir de 2009, o GRM deixa de gerir diretamente o regadio na Madeira e no Porto Santo, criando uma sociedade anónima de capitais públicos denominada IGH-Investimentos e Gestão Hidroagrícola, S.A., à qual concessiona a sua exploração e manutenção (Dec. Legislativo Regional n.º 4/2009/M, 10 de março).
Na ilha da Porto Santo, a realidade sempre foi distinta devido às suas características especiais e a uma maior escassez de água. Historicamente o aproveitamento da água para irrigação no Porto Santo fazia-se com base nas chamadas levadas pluviais, isto é, que regavam quando chovia, recolhendo as águas que escorriam dos picos e ao longo dos ribeiros, onde também eram armazenadas em pequenas represas. A partir de meados do séc. xix foi fomentada pelo Estado, na região baixa do Porto Santo, a exploração de águas subterrâneas extraídas de poços e cisternas através do emprego das antigas noras com tração animal. Mais tarde, no início da déc. de 1940, a Junta Geral do Distrito do Funchal procedeu à abertura de uma grande vala em torno do Pico Castelo para captação e distribuição das águas da chuva que escorrem da encosta, de modo a prevenir o dano que causavam nos terrenos na base da elevação e proceder ao seu aproveitamento para rega direta e alimentação, por infiltração, das nascentes e poços. Com a extensão, em 1951, do Plano de Fomento Hidroagrícola Florestal da Madeira à ilha do Porto Santo, iniciaram-se intervenções que proporcionaram fluxos de água de irrigação menos intermitentes e a sua mais eficiente distribuição, possibilitando o aumento da área agricultável. Até 1971, foram executadas barragens e represas, entre as quais se destaca a barragem do Tanque com capacidade para armazenar 180.000 m3, valas e levadas, reservatórios de água, estações elevatórias, obras de correção torrencial, explorações subterrâneas e trabalhos de rearborização, entre outros. Este Plano de Fomento, além dos benefícios que trouxe à agricultura, permitiu também iniciar a construção de fontenários rurais e o abastecimento de água potável à Vila Baleira e a alguns sítios do Porto Santo, para o qual foi importante, na segunda metade da déc. de 1960, as captações na galeria da Fonte da Areia e no veio do Zimbralinho. Foi também neste período, em 1964, que se lançaram as redes de esgotos na vila do Porto Santo.
Na Ilha da Madeira, como já referido, foi também a grande obra das levadas para irrigação que constituiu a estrutura para o abastecimento de água potável às populações. Até ao fim do século XIX, a única água canalizada disponível na cidade do Funchal era através dos fontanários públicos, situação que se manteve ao longo de muitas décadas do século XX na maior parte deste concelho, assim como no restante território do arquipélago. Desde início do século XX, a Câmara Municipal do Funchal procurou criar condições para lançar uma rede de água potável, tendo ficado concluídas em outubro de 1910 as obras de captação de água na nascente dos Tornos e sua canalização até a um reservatório no Caminho dos Saltos. Em 1913, a Câmara Municipal adjudicou as obras de construção da rede de abastecimento de água potável e de canalização dos esgotos na cidade, tendo a mesma sido interrompida em 1916 pelo facto do empreiteiro não ter conseguido fazer face ao encarecimento dos materiais, provocado pelos efeitos da Grande Guerra. Só em fevereiro de 1932 foi possível retomar as obras para o abastecimento de água canalizada na zona baixa do Funchal que ficaram concluídas em novembro de 1933. Em sessão camarária de 13 de novembro de 1932, foram criados os Serviços Municipalizados aos quais competia superintender o saneamento e a distribuição domiciliária de água potável. Tendo os concursos lançados pela Câmara Municipal ficado desertos, coube a estes Serviços Municipalizados assumir a tarefa de estender a canalização para as zonas média e alta da cidade. Para fortalecer o abastecimento da rede em crescimento tornou-se necessário proceder à construção de um grande reservatório de betão na Levada de Santa Luzia, onde hoje é a chamada Quinta do Poço, tendo ficado concluído em maio de 1934 com uma capacidade para 7.000 m3 (SILVA e MENESES, 1940, I, 4). Com o crescimento da cidade, da rede de abastecimento e das exigências de qualidade, fazendo uso do manancial trazido da costa norte da ilha pela Levada dos Tornos, entrou em funcionamento em agosto de 1977, na margem esquerda da Ribeira de Santa Luzia, a Estação de Tratamento de Águas dos Tornos, a qual funcionou até Maio de 2000.
Com a Democracia e o sistema Autonómico foi dada prioridade, quer pelas Autarquias quer pelo Governo Regional, ao lançamento das redes de água potável que no decorrer das décadas de 1980 e 1990 substituíram por completo os fontanários públicos comuns nos meios rurais. Com base na água captada e transportada pelas levadas da Madeira, e recorrendo a novas galerias e furos de captação, assim como ao aproveitamento das águas encontradas em alguns túneis rodoviários, para fazer face ao grande crescimento das necessidades, foram instalados reservatórios, estações de tratamento e de cloragem, e estações elevatórias para constituir um sistema de abastecimento de água potável na ilha da Madeira que deu resposta às exigências da sociedade do século XXI. O Funchal, para além da água da Levada dos Tornos que passou a ser tratada desde o ano 2000 na Estação da Alegria, viu ser-lhe reforçado o abastecimento por intermédio do novo sistema adutor dos Socorridos cuja construção se iniciou em meados da década de 1990 vindo a ficar concluído no início do século XXI. Os restantes concelhos da Madeira foram também beneficiados com sistemas semelhantes de adução e distribuição de água potável, nalguns casos interligados entre si como é o caso do eixo Funchal-Machico.
Para concretizar a sua política na área dos recursos hídricos, o Governo Regional da Madeira entendeu criar em 1991 o Instituto de Gestão da Água (Decreto Legislativo Regional nº19/91/M, de 27 de Fevereiro), o qual centralizou toda a macrogestão da água e assumiu as atribuições e competências no âmbito do planeamento, coordenação e execução de infraestruturas inerentes à administração e gestão desse recurso. Mais tarde, em 1999, este organismo é transformado numa sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos denominada “IGA- Investimentos e Gestão da Água, S.A.” à qual é concessionada por 25 anos o Sistema Regional de Gestão e Abastecimento de Água da Madeira (Decreto Legislativo Regional nº28-C/99/M, de 20 de Dezembro). Todas as infraestruturas que compõem este sistema de abastecimento de água são controladas por via remota a partir do Centro de Telegestão da IGA, localizado na Estação de Tratamento de Água da Alegria, no concelho do Funchal. Também nesta estação está localizado o Laboratório Regional de Controlo de Qualidade da Água responsável por vigiar o estado das águas de todo o sistema de abastecimento público.
Apesar de, na ilha da Madeira, a IGA gerir apenas o sistema em alta, sendo as redes de distribuição de água potável da responsabilidade das Câmaras Municipais, no Porto Santo esta sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos ficou responsável pela quase totalidade do sistema. Assim, no Porto Santo, onde funciona desde 1979 uma central dessalinizadora da água do mar pelo processo de osmose inversa que, com as sucessivas ampliações, fornece a totalidade da água injetada na rede de abastecimento, a IGA ficou responsável não só pela gestão de todo o sistema de abastecimento de água potável como também pelas águas de irrigação e pelo destino final dos esgotos. Nesta pequena ilha a integração de todo o sistema permitiu o tratamento terciário das águas residuais e a sua reutilização para irrigação após armazenamento na barragem do Tanque.
A partir de 2010, o Governo Regional da Madeira procurou entrar também na gestão das redes de distribuição de água potável em baixa, até aí, exceto no Porto Santo, da responsabilidade exclusiva dos municípios, para o que constituiu a sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, maioritariamente da Região mas também de municípios, denominada Águas e Resíduos da Madeira, S.A (ARM) (Decreto Legislativo Regional n.º 7/2009/M, de 9 de Março). A ARM ficou com a concessão da gestão e exploração dos sistemas multimunicipais de distribuição de água, de saneamento básico e de recolha de resíduos, responsabilizando-se assim pela sua gestão nos municípios aderentes, até início de 2015, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Machico, Santana e Porto Santo. Na ilha da Madeira, mais de metade da população é servida com fossas sépticas individuais, em grande medida devido ao facto da dispersão habitacional encarecer o lançamento das redes de drenagem de águas residuais. No entanto, com um importante reforço na viragem para este novo milénio, foram instaladas redes de esgotos e respetivas estações de tratamento de águas residuais em todos os concelhos, servindo os principais núcleos populacionais mas disponibilizando níveis de tratamento e cobertura muito variáveis. O concelho do Funchal, sendo o principal centro populacional do arquipélago e tendo iniciado o lançamento da sua rede de drenagem de águas residuais no primeiro quartel do século XX, atingiu no início do século XXI uma cobertura de cerca de 70% da população. A cidade do Funchal possui várias estações elevatórias que, em conjunto com a drenagem gravítica, garantem que as águas residuais produzidas são encaminhadas para a estação localizada junto ao jardim do Almirante Reis, onde são sujeitas a um tratamento preliminar antes de serem lançadas no oceano através de um emissário submarino.
Com a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia em 1986, o Arquipélago da Madeira foi aproximando as suas políticas do quadro europeu. A Diretiva Quadro da Água, desde o ano 2000, tem sido o instrumento comunitário orientador para a política da água e na Madeira, tal como no resto do país, tem vindo a ser decisiva nas opções seguidas. Assim, seguindo essas orientações, o Arquipélago da Madeira possui o seu Plano Regional da Água, o qual define as suas principais opções, princípios e regras em matéria de política dos recursos hídricos estabelecendo como principais objetivos, entre outros: o aumento da eficiência das redes de distribuição de água potável; a promoção da eficiência e sustentabilidade na irrigação; a otimização da gestão dos recursos hídricos; a resolução das carências em infraestruturas para a gestão de águas residuais; a prevenção da ocorrência de cheias e minimização das suas consequências; a prevenção da ocorrência de secas e minimização das suas consequências; a minimização das consequências para o ambiente aquático pela ocorrência de acidentes que originem poluição.
Apesar de serem conhecidas posturas da Câmara Municipal do Funchal do século XVI que se referem à necessidade de garantir a limpeza e o asseio da cidade, e do testemunho de Isabella de França (1795-1880), no seu Jornal de uma Visita à Madeira e a Portugal (1853-1854), referindo existirem ruas no Funchal que “constituiriam agradável passeio se não fossem as pessoas pobres que vivem nas imediações e que as escolheram para depósito de todo o género de porcarias, o que as torna intransitáveis a quem tiver olfacto delicado” (FRANÇA, 1970, 58), a gestão dos lixos é uma questão relativamente recente, em particular no que diz respeito às infraestruturas e sistemas implementados. Até à entrada em funcionamento da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos da Meia Serra, em 1991, cada concelho tinha como solução para os seus resíduos as lixeiras, além de que grande parte dos resíduos não chegava a ser recolhido e acabava dentro das ribeiras, nas encostas e em terrenos baldios. Mesmo depois desse ano, algumas lixeiras persistiram até mais tarde, nomeadamente numa antiga exploração de areão na ribeira das Cales no Funchal, até 1994, na zona da Malhadinha nas encostas do Paul da Serra na Ponta do Sol, até ao fim da década de 1990, e na Fonte da Areia no Porto Santo, até 2007. Antes da entrada em funcionamento da Estação da Meia Serra, o Funchal geria os seus resíduos na zona da Fundoa de Baixo, junto à Ribeira de Santa Luzia, na então denominada Estação de Tratamento de Resíduos por Compostagem.
A partir do momento em que a Estação da Meia Serra começou a receber resíduos, esta estação da Câmara Municipal do Funchal passou a funcionar como Estação de Transferência e Triagem de Resíduos Sólidos. Com a organização dos sistemas de recolha de resíduos no concelho, a Câmara Municipal do Funchal sentiu necessidade de publicar em Novembro de 1983 um Edital com a “Postura sobre Deposição e Remoção do Lixo”. Uma década depois, em 1994, entrou em vigor o Regulamento de Resíduos Sólidos e Comportamentos Poluentes no Concelho do Funchal, passando a definir o sistema de recolha de resíduos sólidos urbanos e implementando a recolha seletiva de vidro e papel/cartão para reciclagem. Com as atualizações ocorridas em 2001 e 2003 neste regulamento e com a evolução da recolha seletiva de resíduos, o concelho do Funchal passou a dispor de recolha seletiva para praticamente todo o tipo de materiais, evoluindo de uma recolha seletiva baseada em ecopontos para uma recolha seletiva porta-a-porta. Na política de gestão de resíduos estabelecida pela Câmara Municipal do Funchal, a Estação de Transferência e Triagem de Resíduos Sólidos cumpre um papel central rececionando todos os lixos produzidos no concelho. Esta estação dispõe de um ecocentro para a receção dos resíduos mais volumosos, um pavilhão para a triagem de papel, cartão e plásticos, uma zona de receção e triagem de vidros e uma trituradora de ramagens para produzir estilha. Os resíduos recicláveis, em particular vidro, plásticos, metais, papel e cartão, são encaminhados para reciclagem e os indiferenciados são compactados, acondicionados em contentores fechados e transferidos para a Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos na Meia Serra, onde são incinerados.
A política regional de gestão de resíduos, à semelhança de outras áreas, tem vindo a ser definida em estreita sintonia com as orientações da União Europeia, sendo a Diretiva Quadro dos Resíduos a referência principal. Nesse sentido, desde 1999, a Madeira possui o seu Plano Estratégico de Resíduos que enquadra a integração e otimização do sistema de recolha e transporte, encaminhamento para reciclagem, valorização e destino final. Este plano estratégico baseia-se na valorização dos resíduos sólidos urbanos através de incineração com recuperação de energia e numa meta de reciclagem de 35% até 2016. Como sucedânea da estação que entrou em funcionamento em 1991 na Meia Serra, concelho de Santa Cruz, cujo tratamento proporcionado aos resíduos baseava-se principalmente na deposição em aterro e na compostagem de orgânicos, e dando cumprimento à estratégia aprovada em 1999, entrou em funcionamento em 2004, no mesmo local, uma central de incineração apoiada por aterros sanitários devidamente equipados com tratamento das águas lixiviantes. Como infraestruturas a montante desta estação vocacionada para o destino final dos resíduos, surgiram duas estações de transferência, uma no Porto Novo, em Santa Cruz, e outra na Meia-Légua, na Ribeira Brava, as quais vieram juntar-se à já existente no Funchal para proporcionar uma melhor eficiência no transporte dos resíduos. Além das estações de transferência, foi também construída uma estação de triagem no Porto Novo para receber os resíduos recolhidos seletivamente, refinar a separação e acondicioná-los devidamente antes do seu envio para as indústrias recicladoras, maioritariamente localizadas fora do arquipélago. O Porto Santo foi dotado de um centro de processamento de resíduos sólidos que tem como objetivo principal garantir uma gestão adequada dos lixos produzidos na ilha encaminhando-os, em grande parte, para destino final na ilha da Madeira e reciclagem fora do arquipélago.
À semelhança do que foi feito para a gestão dos recursos hídricos, o Governo Regional criou em 2004 a Valor Ambiente – Gestão e Administração de Resíduos da Madeira, S.A., uma sociedade anónima com capitais exclusivamente públicos, que ficou responsável por gerir o Sistema de Transferência, Triagem, Tratamento e Valorização de Resíduos da Região Autónoma da Madeira, mediante concessão em regime de serviço público e de exclusividade (Decreto Legislativo Regional n.º 28/2004/M, de 30 de Julho). Em dezembro de 2014, por incorporação na sociedade ARM – Águas e Resíduos da Madeira, foi aprovada a fusão das sociedades que constituíam o setor empresarial da Região Autónoma da Madeira responsável pela gestão das águas e resíduos, nomeadamente a Valor Ambiente, a IGA – Investimentos e Gestão da Água e a IGH – Investimentos e Gestão Hidroagrícola. A fusão destas sociedades visou criar novas sinergias e criar uma nova escala que proporcionasse ganhos económicos e eficiência nos serviços. Como resultado destas políticas, até 2014 eram recolhidos seletivamente para reciclagem cerca de 20% dos resíduos sólidos urbanos produzidos no Arquipélago da Madeira, sendo que 75% eram encaminhados para incineração com recuperação de energia e os restantes depositados diretamente em aterro sanitário.
Até ao início da revolução industrial, no século XVIII, as energias renováveis eram dominantes em todas as sociedades. Na Madeira, mais tarde, depois desse processo se ter consolidado nos principais centros mundiais, os combustíveis fósseis também foram conquistando espaço face às energias endógenas. Durante cinco séculos, a sociedade madeirense dependeu em exclusivo de energias renováveis endógenas, em particular a biomassa, através da lenha e do carvão vegetal, o vento, a força da água e mesmo a força muscular. Durante todo este período moeram-se cereais aproveitando a força da água, na Madeira, e do vento, no Porto Santo, e muitas vezes à força muscular em moinhos de mão. As valiosíssimas madeiras extraídas da floresta indígena foram transformadas em tabuado pela ação de serras movidas pela força da água da mesma forma que a indústria açucareira fazia mover os seus engenhos. A produção do açúcar exigia a energia da lenha para a cozedura e mais tarde, com o aparecimento da máquina a vapor, também para a moenda. As ligações entre as diferentes localidades à volta da ilha da Madeira e para o Porto Santo faziam-se por cabotagem em pequenas embarcações à vela e a remos designadas de carreireiros. Mais tarde, a partir de finais do século XIX, os carreireiros vão dando lugar a pequenos vapores que já utilizam carvão fóssil, embora durante as duas guerras mundiais, por dificuldades de abastecimento, muito tenham recorrido ao carvão vegetal produzido na Madeira. Até a iluminação pública na cidade do Funchal, iniciada em 1846 por iniciativa do conselheiro José Silvestre Ribeiro, governador da Madeira, começou por ser com candeeiros a azeite, um biocombustível. A partir do início do século XX, a tração animal vai dando lugar ao automóvel até deixar o Arquipélago da Madeira completamente dependente dos combustíveis fósseis no que à mobilidade terrestre diz respeito.
Apesar do século XX ter imposto um quase completo afastamento das energias renováveis no contexto da mobilidade, fosse ela terrestre, marítima ou aérea, no setor doméstico uma fonte endógena e renovável de energia, a biomassa, em concreto a lenha, conseguiu resistir e predominar até finais da década de 1980, momento em que o gás e a eletricidade reforçaram a sua predominância. Apesar das circunstâncias e das políticas energéticas terem-se traduzido numa dependência dos combustíveis fósseis que no início do século XXI é superior a 90%, as opções relativas à produção de energia elétrica têm sido motivo para uma maior penetração de fontes renováveis na matriz energética da Madeira e Porto Santo. Embora a produção de eletricidade na cidade do Funchal começasse por ser dependente de combustíveis fósseis, através da empresa Madeira Electric Lighting Company, Lda., conhecida por Casa da Luz, que recebeu da Câmara Municipal do Funchal, em 1895, a concessão para o fornecimento de iluminação pública, o crescimento acentuado dos consumos e a dificuldade na obtenção de combustíveis fósseis devido à II Guerra Mundial levaram a que fosse equacionado o desenvolvimento de aproveitamentos hidroelétricos. Embora, nessa altura, um pouco por toda a ilha, já existissem alguns pequenos aproveitamentos hidroelétricos de iniciativa particular, é a partir de 1953 que a Madeira passa a usufruir de forma expressiva de eletricidade produzida a partir de centrais hidroelétricas. Efetivamente, depois de, em 1949, a Câmara Municipal do Funchal ter antecipado o termo da concessão da Madeira Electric Lighting Company e ter adquirido todos os seus valores patrimoniais ligados à exploração do serviço de fornecimento de eletricidade, que passaram a ser geridos pelos Serviços Municipalizados de Energia, em 1952 a Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira passou a ser responsável pelos serviços públicos de produção, transporte e distribuição de energia elétrica não só no Funchal como nos restantes concelhos da ilha da Madeira.
Esta alteração teve como principal objetivo possibilitar a remodelação e melhoramento da rede elétrica no Funchal e, principalmente, estender a eletrificação para os concelhos rurais, principais beneficiários da entrada em funcionamento em 1953 das centrais hidroelétricas da Serra de Água, na Ribeira Brava, e da Calheta. Depois desta primeira fase, a evolução sempre crescente na procura de eletricidade exigiu mais fontes de energia pelo que a Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira foi incumbida de construir duas novas centrais hidroelétricas, a da Ribeira da Janela, que entrou em funcionamento em 1965, e a da Fajã da Nogueira, que começou a fornecer energia renovável em 1971. Apesar destes importantes investimentos hidroelétricos, não foi possível satisfazer o crescimento da procura de energia elétrica apenas recorrendo às fontes renováveis, tendo sido necessário, nesse período, aumentar de forma exponencial a capacidade da Central Térmica do Funchal localizada na Avenida do Mar.
Como o serviço público de fornecimento de eletricidade não parava de crescer, mantendo-se a necessidade de estender mais linhas e redes de distribuição com as necessárias novas fontes de energia, quer fossem hidráulicas, quer fossem térmicas, o governo português decidiu transformar a Comissão Administrativa, até aí um mero serviço eventual na dependência do Ministério das Obras Públicas, numa empresa pública do Estado. Assim, em 1974, surgiu a Empresa de Eletricidade da Madeira (EEM) incumbida não só de manter o trabalho que vinha sendo desenvolvido mas também de iniciar uma nova fase de expansão do serviço em todos os concelhos do arquipélago (Decreto-Lei nº12/74, de 17 de Janeiro). Com a instauração da Democracia e subsequente adoção do regime autonómico no Arquipélago da Madeira, a EEM passou a depender diretamente do novo poder regional. Nesta nova fase, além de novos investimentos na produção de eletricidade a partir da energia hídrica, como a central hidroelétrica dos Socorridos, em 1994, e a central hidroelétrica de Inverno da Calheta, em 1992, e várias mini-hídricas, a Madeira foi capaz de assumir uma posição pioneira no aproveitamento das energias eólica e fotovoltaica.
Efetivamente, em 1985, a EEM instalou no Porto Santo o primeiro parque eólico de Portugal, o Parque Eólico do Cabeço do Carvalho, que funcionou até 1996 com 8 aerogeradores e uma potência total de 240 kW, altura em que foram substituídos por dois aerogeradores de 225 kW cada e mais tarde, em 2000, ampliado com mais um aerogerador de 660 kW. Na ilha da Madeira, os primeiros parques eólicos surgem em 1993 por iniciativa privada, um no Caniçal, com 6 aerogeradores e potência total de 0,9 MW, e 3 no Paul da Serra, perfazendo no seu conjunto 27 aerogeradores e 4 MW de potência. Já no século XXI, o planalto do Paul da Serra será o local de eleição para o reforço da potência eólica instalada na Madeira, com novos aerogeradores instalados pela EEM e várias empresas privadas nos anos 2006, 2009, 2011 e 2012. Com o propósito de possibilitar uma maior penetração de energia eólica na rede elétrica da ilha da Madeira e reforçar a componente hídrica, a EEM tem vindo a adotar uma estratégia que passa pela instalação de sistemas hidroelétricos reversíveis que permitam turbinar água previamente elevada por bombagem recorrendo aos excessos de energia eólica. O primeiro sistema deste género foi instalado em 2007 na Central Hidroelétrica dos Socorridos recorrendo, pela inexistência de condições para a construção de barragens, à abertura de túneis junto à câmara de carga, para armazenamento da água a turbinar, e à própria central, para acumular a água a elevar por bombagem. Neste mesmo senti, a EEM tem previsto associar às centrais hidroelétricas da Calheta um sistema reversível que em 2015 já estava em desenvolvimento e que, para além de uma nova central hidroelétrica e de uma estação de bombagem, inclui a construção de uma grande barragem no planalto do Paul da Serra com capacidade para um milhão de metros cúbicos.
A Região Autónoma da Madeira foi também responsável pela instalação da primeira micro-central fotovoltaica de Portugal com a colocação, em 1983, de 22 pequenos painéis na Selvagem Grande para responder às necessidades de energia elétrica das instalações de apoio a esta Reserva Natural. Muito mais tarde, depois de, no início do século XXI, a Madeira e o Porto Santo terem beneficiado de um conjunto de incentivos à microgeração que possibilitou a instalação de painéis solares térmicos e fotovoltaicos em inúmeras residências, entra em funcionamento em 2010, no Porto Santo, como investimento de uma empresa privada, um parque fotovoltaico de 2 MW de potência. No mesmo ano, na Madeira, na freguesia do Caniçal, outro investimento da mesma empresa instalou um parque fotovoltaico com 6,6 MW de potência. Em 2012, uma outra empresa privada instalou no Paul da Serra um parque fotovoltaico com 9 MW de potência, investimento que se juntou aos parques eólicos que a partir de 1993 a EEM e várias empresas privadas têm vindo a instalar no único planalto da ilha da Madeira.
Outro contribuinte para a eletricidade renovável na ilha da Madeira que merece destaque é a central de incineração de resíduos sólidos urbanos da Meia Serra a funcionar desde 2004, em que o calor gerado pela queima dos resíduos é aproveitado para produzir eletricidade, a qual, além de servir a própria estação, é também injetada na rede. Este aproveitamento dos lixos para produzir energia tem sido responsável por pouco mais de 3% da eletricidade produzida no Arquipélago da Madeira, um contributo relevante para a percentagem de renováveis que em 2014 atingiu os 29%. Ressalvando que a percentagem de renováveis na produção de eletricidade oscila de ano para ano devido às contingências associadas à natureza intermitente destas fontes de energia, em 2013, num total de 26%, a sua distribuição foi a seguinte: hídrica 9%; eólica 10%; fotovoltaica 3,8%; e resíduos 3%.
Por outro lado, para além das tecnologias mais maduras, a Região Autónoma da Madeira, em particular através da EEM e da AREAM- Agência Regional de Energia e Ambiente da Região Autónoma da Madeira, tem vindo a se envolver em projetos de investigação e desenvolvimento com o propósito de melhorar a gestão e a eficiência da energia e integrar novas tecnologias de produção elétrica no sistema regional. Exemplo desse envolvimento é o projeto iniciado em 2009 no Porto Santo pela EEM, em parceria com a empresa Bio Fuel Systems, para a produção de biocombustível a partir de algas marinhas, o qual deverá ser utilizado na central térmica local para a produção de eletricidade. Também o estudo iniciado em 2010 sobre o potencial geotérmico da ilha da Madeira constitui outro exemplo da vontade da EEM em explorar e diversificar as fontes de energia renovável e aumentar a sua contribuição na matriz energética da Região.
A estrutura urbana no Arquipélago da Madeira foi definida ao longo dos séculos pelos condicionalismos do próprio território e em torno das centralidades que os edifícios públicos, militares e religiosos impunham. As vias de comunicação, ruas e caminhos, a morfologia dos terrenos, os seus microclimas, a propriedade da terra e até as panorâmicas, foram fatores essenciais na determinação da ocupação do território que se foi fazendo naturalmente sem verdadeiros instrumentos de planeamento. A cidade do Funchal também foi evoluindo neste contexto mas, sendo o principal centro populacional do arquipélago, a sua estrutura urbana sofreu fortes influências com os ciclos económicos que experimentou, nomeadamente do açúcar, do vinho e, mais recentemente, do turismo. Até que os instrumentos de planeamento começassem a ser prática na Madeira nas últimas décadas do século XX, as decisões casuísticas e pontuais, motivadas pela conjuntura e necessidades do momento, ou pela maior ou menor visão dos detentores de cargos políticos, constituíram as principais políticas de ordenamento do território determinadas pelos poderes vigentes.
Tanto assim foi que uma das primeiras tentativas para planificar a expansão da cidade do Funchal, desenvolvida em sequência da terrível aluvião de 1803, não chegou a ser executada. Efetivamente, no início do século XIX, foi proposta a expansão da cidade do Funchal para Oeste de modo a evitar a zona de risco, devido à confluência de três grandes ribeiras, onde a cidade nasceu. A equipa do Brigadeiro Oudinot, na Madeira desde fevereiro de 1804 para reconstruir as zonas afetadas pela aluvião de 1803, propõe um projeto para uma nova cidade a se estender no sítio das Angústias entre a margem direita da ribeira de São João e o Ribeiro Seco. Na planta desenhada pelo Tenente Paulo Dias de Almeida, elemento da equipa do Brigadeiro Oudinot, é possível constatar que este projeto propunha uma planta reticular com grandes avenidas e uma praça central quadrada. Também o Plano de Melhoramentos para a Cidade do Funchal apresentado pelo arquiteto Ventura Terra em 1915 não chegou a ser executado embora tenha servido de inspiração em muitas decisões e intervenções ocorridas posteriormente na cidade. Nesse plano, Ventura Terra propunha uma profunda remodelação da rede viária do centro do Funchal, alterando alguns traçados e abrindo novas vias com o intuito de privilegiar a abertura da cidade ao mar (BETTENCOURT, 2010).
Com Fernão Ornelas como presidente da Câmara Municipal do Funchal, entre 1935 e 1947, a cidade é objeto de profundas transformações que, recuperando algumas ideias do plano de Ventura Terra, vão torná-la mais móvel e acessível. As mudanças incutidas por Fernão Ornelas serão particularmente visíveis na rede viária, com melhorias no pavimento, alargamentos e realinhamentos de ruas e pontes. Destacam-se o prolongamento da Avenida do Mar e das ruas 5 de Outubro e 31 de Janeiro, a abertura da Rua Fernão Ornelas, na altura Rua dos Mercadores, e as avenidas Arriaga e Infante, ligadas por uma rotunda sobre a Ribeira de São João, intervenções que obrigaram a um elevado número de demolições. Mas Fernão Ornelas foi muito mais além, sendo a Praça do Município, o Parque de Santa Catarina e os Bairros da Ajuda, de Santa Maria, dos Louros e de São Gonçalo apenas alguns exemplos da profunda marca que deixou na cidade do Funchal (LOPES, 2006).
Quer pelo facto da expansão da rede viária ter, na prática, determinado as suas áreas adjacentes como zonas a urbanizar, quer por ter permitido uma maior mobilidade, pode-se dizer que, sem planeamento definido, a chegada do automóvel à Madeira no início do século XX acabou por ser o fator determinante na ocupação do solo que a partir daí se foi fazendo. Só em 1972 é aprovado o primeiro Plano Diretor para a cidade do Funchal com o propósito de responder às necessidades da altura e futuras, prestando atenção particular à rede viária e procurando defender o património edificado e natural. Este primeiro plano perdurou até 1997, altura em que é revogado para dar lugar ao primeiro Plano Diretor Municipal do Funchal depois da revolução a 25 de Abril de 1974 ter conquistado a Democracia. Ainda antes de terminar o século XX, em 1999, o Porto Santo também teve o seu Plano Diretor Municipal aprovado, seguindo-se a aprovação dos planos dos restantes municípios da Região já no início do século XXI: Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol e São Vicente em 2002; Calheta, Porto Moniz, Santana e Santa Cruz em 2004; e finalmente Machico em 2005. Em 1995, antes de surgirem estes planos diretores municipais e os seus respetivos planos de pormenor e de urbanização, a Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma da Madeira aprovou o Plano de Ordenamento do Território da Região Autónoma da Madeira (POTRAM) o qual veio, pela primeira vez, dotar as ilhas da Madeira e Porto Santo de um instrumento de planeamento abrangente e enquadrador.
O POTRAM estabeleceu as orientações gerais de planeamento e desenvolvimento respeitantes ao uso e ocupação do solo, defesa e proteção do ambiente e do património histórico, distribuição da população no território e estrutura da rede urbana, permitindo que outros planos territoriais e setoriais mais específicos pudessem surgir de forma articulada (Decreto Legislativo Regional nº12/95/M, de 30 de Maio). Assim, depois de ter aprovado o Plano Estratégico de Resíduos da Região Autónoma da Madeira em 1999 (Despacho do Governo Regional da Madeira nº1/99, de 13 de Julho), o Governo Regional aprovou, no ano 2000, o Plano Regional da Política de Ambiente que estabeleceu como principais objetivos o bem-estar sustentável da população, com padrões elevados de qualidade de vida, a adequação ambiental das atividades económicas e a valorização do património natural e da paisagem humanizada (Resolução do Governo Regional da Madeira nº809/2000). Logo depois, em 2002, a Assembleia Legislativa da Madeira aprova o Plano de Ordenamento Turístico (POT) da Região Autónoma da Madeira, um plano setorial que vem orientar o principal motor da economia do arquipélago definindo a estratégia de desenvolvimento do turismo e o modelo territorial a adotar (Decreto Legislativo Regional nº17/2002/M, de 29 de Agosto). Em 2008, a mesma Assembleia aprova o Plano Regional da Água da Região Autónoma da Madeira, o instrumento de planeamento dos recursos hídricos, de natureza estratégica e operacional, que consagra os fundamentos e as grandes opções da política regional no setor, tendo como principal objetivo a definição de uma política sustentável e integrada de gestão da água (Decreto Legislativo Regional nº38/2008/M, de 20 de Agosto). Em 2009 foi a vez das áreas protegidas existentes na Região Autónoma da Madeira serem contempladas com os seus planos de ordenamento e gestão, colmatando uma lacuna que se fazia sentir desde a sua criação (Resoluções do Governo Regional da Madeira nºs 1293, 1294 e 1295, de 2 de Outubro de 2009, e Declaração de Retificação do Governo Regional da Madeira nº13/2009, de 27 de Novembro).
Apesar da Madeira ter seguido durante décadas, com as devidas adaptações, o regime jurídico nacional dos instrumentos de gestão territorial, em 2008, aproveitando a margem dada pela revisão constitucional de 2004 que alargou os poderes legislativos regionais em matéria de gestão territorial, a Assembleia Legislativa Regional aprovou as suas próprias bases de política de ordenamento do território e urbanismo, definindo o Sistema Regional de Gestão do Território (Decreto Legislativo regional nº43/2008/M, de 23 de Dezembro). No entanto, este Sistema Regional próprio assume a sua articulação com a legislação nacional e efetivamente não deixa de ser baseado no modelo em vigor no país, prevendo como principais instrumentos os planos regionais, setoriais e municipais. Não obstante o enquadramento jurídico do planeamento e ordenamento do território em vigor na Madeira ter por base o regime nacional, apesar das adaptações que foram sendo feitas na Região de acordo com a sua autonomia política, no início de 2015 alguns antigos e importantes instrumentos ainda não haviam sido implementados no arquipélago, nomeadamente os Planos de Ordenamento da Orla Costeira (Decreto-Lei nº309/93, de 2 de Setembro de 1993, posteriormente alterado), a Reserva Ecológica Nacional (Decreto-Lei n.º321/83, de 5 de Julho de 1983, posteriormente alterado) e a Reserva Agrícola Nacional (Decreto-Lei n.451/82, de 16 de Novembro de 1982, posteriormente alterado). De referir que nestes dois últimos casos, a Assembleia Legislativa da Madeira aprovou em 2011 um regime transitório para vigorar até que esses instrumentos fossem efetivados na Região (Decreto Legislativo Regional nº18/2011/M, de 11 de Agosto). Tendo em conta que alguns instrumentos de planeamento de âmbito nacional não incluem esta Região Autónoma, merece particular referência o facto do Arquipélago da Madeira estar enquadrado no Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território, em vigor desde 2007 (Lei nº58/2007, de 4 de Setembro), e nas Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional, aprovado em 2014 (Lei nº17/2014, de 10 de Abril).
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Hélder Spínola
(atualizado a 31.12.2016)